quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Último de 2009.

Todo fim de ano é a mesma velha história. Somos inundados, voluntaria ou involuntariamente, de mensagens e pensamentos otimistas, estrategicamente planejados para acreditarmos que tudo será melhor no ano que está por vir. Adeus ano velho! No ano que vem vai todo mundo parar de fumar, emagrecer, viajar mais, ser mais tolerante. Vai todo mundo terminar a faculdade, ter coragem para mudar de emprego, achar o amor da vida. Além, muito além das individuais resoluções egoístas, esperamos a paz para o mundo, o fim dos conflitos, o extermínio de tudo aquilo que nos faz mal. Sim, adeus ano velho! Já vai tarde! No fim do ano passado, tínhamos altas expectativas para você, 2009... mas agora seu tempo acabou. 2010 será muito melhor. O futuro sempre será muito melhor.

Todavia, quando fazíamos, com os corações cheios de esperança, nossos planos para esse ano que passou, ainda no fim do ano passado, ainda que tentássemos, não adivinharíamos as tantas coisas que ocorreram nesse atribulado ano. Diríamos que um brasileiro seria o homem mais rápido do mundo nas piscinas, quebrando recordes inimagináveis, como um furacão de talento, disciplina e vitórias? Diríamos que uma desconhecida, pelo simples fato de colocar um micro-vestido cor de rosa e desfilar por uma universidade (quase tão desconhecida quanto ela), viraria capa dos mais importantes jornais e revistas do país? E todas aquelas esperanças que depositamos, e foram por água abaixo... Diríamos que a convenção do clima não daria em nada? Diríamos que bandidos seriam capazes de derrubar helicópteros da polícia carioca? Diríamos que a natureza continuaria a responder de maneira feroz às mudanças climáticas, castigando São Paulo com chuvas que nunca terminam? Diríamos que, do nada, perderíamos ele... o rei do pop, o rei dos reis, o maior dos performers que este mundo já viu? Diríamos que Michael Jackson morreria, dias antes de começar sua última turnê? This is it para o homem que virou mito. Por fim, diríamos que Obama, aquele que veio lá debaixo, cresceu na vida, tem a família perfeita e, enfim, transformaria a América e salvaria o mundo, aquele mesmo Obama carismático e intelectualmente sedutor, enviaria 30 mil soldados a mais para o Afeganistão, pouco tempo depois de ganhar o Nobel da Paz?

Felizmente, 2009 foi mais do que um ano para ficarmos embasbacados com atrocidades. Nossa bandeira carrega os dizeres "Ordem e Progresso", e parece que, enfim, estamos conseguindo começar a fazer jus a essas palavras. Na capa do caderno especial do Jornal O Globo de hoje, vemos a foto de um menininho, morador de uma favela no Rio, brincando com dois policiais militares. Os três sorriam sem perceber que eram fotografados. São policiais de uma das várias Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, que começou esse ano a encurralar o tráfico na Cidade e nos fazer ter algum orgulho de nossos protetores. As favelas da Zona Sul já foram tomadas pelos Pacificadores e, ingenuidades a parte, só podemos torcer para que, no ano que vem, todas as favelas do Rio de Janeiro recebam o mesmo tratamento especial. Ainda no mérito da Ordem, a Lei Seca veio com tudo em 2009, e os números não mentem: menos acidentes e mortes no trânsito. Gente de todas as raças, credos e, principalmente, posições sociais e condições financeiras estão perdendo a carteira de motorista se não dançarem conforme a música. Foi o ano da tolerância zero no trânsito, e do resgate à tão desgastada e utópica idéia da nossa dignidade.
O progresso tambem se fez presente. Nosso presidente Lula foi eleito o "homem do ano" pelo jornal francês Le Monde. Assinou alianças e ficou lado a lado com os mais ricos do mundo, liderando os emergentes da América Latina. E como poderíamos esquecer? Neste ano, o Rio de Janeiro foi eleita a cidade-sede das Olimpíadas de 2016, catapultando sua imagem para todo o planeta, pouco tempo depois de ter sido eleita a cidade mais feliz do mundo. A explosão de alegria nas areias de Copacabana, decorrente do anúncio do COI, mostrou que estamos dispostos a mostrar que somos muito, MUITO mais do que tráfico de drogas e estonteante beleza natural. Somos capazes de abrigar o evento mais importante do esporte mundial, e de nos impor frente àqueles que pensam tão pouco de nós.

Sim, foi um ano atribulado. E para mim, uma simples escritora que, mesmo contra a própria vontade, não se furta ao papel de espectadora do mundo de vez em quando, foi um ano de reflexão, e mãos a obra. Alguns sonhos foram realizados, outros apenas postergados...mas jamais esquecidos ou abandonados. Com eles aprendi que, muito mais do que clichê, é realmente verdade: TUDO é possível, basta ter fé e muita determinação. Nesse ano eu me apaixonei e me desencantei, em um processo mais longo do que deveria ter sido, e mais doloroso do que previa, mas que me fez entender que, não importa quantas vezes um coração é partido, ele sempre arruma um jeito de juntar os cacos, levantar a poeira e dar a volta por cima. Que quando amamos de verdade, perdoamos dos mais ínfimos aos mais graves erros de uma pessoa e, acima de tudo, que o simples fato de uma pessoa não nos amar da maneira que gostaríamos, isso não quer dizer que ela não goste da gente. Cabe a nós refletirmos se é assim que queremos ser tratados. Se não, bola pra frente. A vida simplesmente não pára para chorarmos ou nos lamentarmos.

Continuo cheia de expectativas para 2010. A beleza do futuro é a promessa de ele sempre ser melhor do que nossa vida atual. Que haja paz para minha amada cidade e para o mundo. Que os soldados americanos saiam do Afeganistão e voltem para suas casas e suas famílias. Que os líderes mundiais cheguem a um consenso útil e coerente sobre o destino do clima e do planeta. Que acreditemos na utopia de políticos honestos, e sejamos iluminados o suficiente para elegermos governantes capazes de fazer por nós tudo aquilo que esperamos deles. Que se acabem as histórias de dinheiro em cuecas, meias... que se exterminem as propinas e os mensalões. Que sejamos menos idiotas e mais raçudos, mais atuantes. E, por fim, que sejamos hexacampeões mundiais de futebol na Copa na África, para mostrar mesmo quem é que continua mandando aqui.

Um feliz ano novo para todos, repleto de saúde, alegrias e realizações. Que consigamos ter forças para sorrir mesmo nas mais improváveis situações, e que sejam muito poucas aquelas que nos fazem chorar.

Um beijo grande e até 2010,

Cá.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009


O post de hoje é breve. Pretende-se mais uma resposta do que uma crítica. Acontece que, na semana passada, o assunto mais falado por aqui foi o comentário do ator americano Robin Williams no programa Late Show with David Letterman, um dos mais populares do país, a respeito da escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Williams complicou-se ao dizer que, embora Chicago tenha enviado Oprah Winfrey e Michelle Obama para apoiarem sua candidatura, perdeu para o Rio, que enviou "cinquenta strippers e meio quilo de pó.". Por isso, algumas pessoas vieram me perguntar como LOGO EU não havia escrito nada sobre isso, xingando Robin de todos os nomes afinal, quem esses americanos pensam que são? Ao contrário da revolta popular, fiquei momentaneamente indignada com o fato, mas depois relevei. Como um cidadão nascido em Chicago, é perfeitamente compreensível a dor de corno do ator, afinal, como pode uma cidade como Chicago perder para uma cidade como o Rio? Chicago é... aah, gente, Chicago! Quem não conhece os mundialmente famosos pontos turísticos de Chicago? Quem nunca citou Chicago como uma das cidades mais belas de todo o mundo? Quem nunca viu nenhum elogio ao povo de Chicago por ser caloroso e acolhedor? Que absurdo, realmente! Afinal, Chicago não tem violência, é o paraíso na Terra... EUA não têm gangues, tampouco traficantes... aquilo tudo que vemos em filme é mera ficção hollywoodiana.
Para analisar criticamente o comentário infeliz do ator, devemos dividi-lo em partes. Quanto às strippers, embora seja uma calúnia e o Brasil não as tenha enviado para a decisão do COI, me admira o fato de que nós, brasileiros, fiquemos tão revoltados com isso. Afinal, adoramos exaltar o nosso carnaval como a maior festa popular do mundo, uma festa onde as mulheres desfilam literalmente nuas, apenas com tinta cobrindo partes de seus corpos. E isso sem mencionar as praias brasileiras, principalmente as cariocas, das quais tanto nos orgulhamos, sempre abarrotadas de mulheres vestindo biquinis minúsculos e rebolando seus corpos bronzeados e morenos, num doce balanço a caminho do mar. Não fez a fama? Agora deita na cama! Já quanto ao meio quilo de pó, isso vou deixar mesmo por conta do Robin Williams, que já passou duas vezes por clínicas de reabilitação, em decorrência de seu vício em cocaína. Logo, acho que o ator deve ter, de fato, alguma autoridade para falar. Deve conhecer bem o pó brasileiro, em suas andanças por aí. O que talvez Williams não tenha realizado é que, ao tentar fazer pouco do Rio de Janeiro, acabou por diminuir simplesmente a mais influente mulher da televisão em todo o mundo e a primeira dama de seu próprio país, ao dizer que nem mulheres desse porte podem vencer strippers de terceiro mundo e "a pound of blow", em suas palavras.
Sou admiradora do trabalho de Robin Williams em seu viés dramático, como em Good Will Hunting e Dead Poets Society, por isso não posso entrar nesse mérito. A razão pela qual nada disse até agora é um pouco mais simples. Com senadores corruptos sendo descobertos em Brasília, com a Cúpula do Clima em Coppenhagen acontecendo e decidindo qual vai ser, literalmente, o futuro do nosso planeta - se teremos verões de 50º daqui a poucos anos, se os oceanos comerão as cidades costeiras, se tsunamis serão mais e mais frequentes - acho que tenho um pouco mais com o que me preocupar, do que com uma reles comentário banal de Robin Williams. Sim, acho que ele não o deveria ter feito, mas de uma pessoa que disse que "Cocaína é a maneira de Deus lhe dizer que você está muito rico", eu espero qualquer coisa.

domingo, 29 de novembro de 2009

Meryl com manteiga, com afeto.


"Julie & Julia" (Julie & Julia, de Nora Ephron, EUA 2009), é um filme perigoso. Daqueles em que já há uma pré-disposição a se gostar, antes mesmo de entrar no cinema. Há Meryl Streep... esplendorosa, incrivelmente versátil, enchendo a tela com um tipo raro de talento que é capaz de segurar o filme sozinho. Há uma história baseada em fatos reais, uma jornada de superação de uma mulher de classe média americana, insatisfeita com sua vida, incapaz de não deixar tarefas inacabadas, que encontra inspiração em um livro de receitas escrito por uma outra mulher anos antes, e passa a fazer daquilo um projeto de vida: 524 receitas em 365 dias, com todas as experiências devidamente registradas em um blog. Há as boas atuações de Stanley Tucci e Amy Adams. Há romance, dois casamentos praticamente perfeitos, que superam crises e esfregam na cara do mundo que este tipo de relacionamento é possível. E há, por fim, comida. Muita comida. Se você não entrar na sala de cinema de barriga cheia, certamente sairá com fome de lá.

Com tantos ingredientes cuidadosamente escolhidos para um efeito quase infalível no coração e no estômago do espectador, fica difícil entender por que Julie & Julia não é tão apaixonante assim. Nora Ephron começa bem, com uma montagem paralela que de cara nos faz entender que se trata de duas histórias distintas, que ocorreram em épocas diferentes, mas que de alguma forma se relacionam uma com a outra. Ambas começam em um processo de mudança - de bairro ou de país -, tanto Julie quanto Julia sentem-se insatisfeitas, infelizes com as vidas sem substância que vivem. Ao mesmo tempo em que, no presente, Julie encontra em Julia uma inspiração para sair da rotina de seu apartamentinho no Queens e seu trabalho insosso, Julia, em uma Paris da metade do século XX, encontra na culinária uma válvula de escape, um entusiasmo criador, uma maneira de juntar a paixão por comer com algo realmente animador e construtivo. É notável a boa construção do roteiro, ao intercalar as duas histórias. Mas parou por aí.

Interrompendo a espiral crescente de entusiasmo e graça que o filme proporcionava, ele começa a decair a partir das tentativas de Julie fazer uma lagosta. É quando, então, a película se afirma como uma cine-biografia, e os 123 minutos de duração parecem estender-se por quatro horas e meia. Talvez eu o tenha ido assistir em um horário ingrato, uma sessão de meia noite e quinze, mas continuo acreditando que um bom filme é aquele que nos deixa ligados do início ao fim, seja as três da tarde ou as três da manhã. Assim como Ephron foi feliz no início de seu roteiro, ela parece ter se perdido na metade para o final, não sabendo mais exatamente como intercalar aquelas duas histórias de forma que não se tornasse algo entediante. Cine-biografias são complicadas, isso é um fato, pois trata-se da vida de uma pessoa, que por mais incrível, inspiradora e fora dos padrões que seja, continua o dia-a-dia de alguem, e nem todos os dias, nem todos os anos, são tão interessantes assim. É o conjunto o que vale. Logo, somos arrastados mais de uma hora por todo o projeto de Julie com suas 524 receitas. E a odisséia para se desossar um pato acaba por deixar claro que isto não é, no fim das contas, tão emocionante assim.

O que fica é a boa e velha mensagem preferida de Hollywood: não desista dos seus sonhos, há sempre uma luz no fim do túnel, basta ter perseverança. É certo que a personagem de Amy tende mesmo a se deixar influenciar mais do que o normal pela personagem de Meryl, transformando-se em uma fã fanática, quase uma groupie enlouquecida. Mas é preciso dar um desconto, uma pausa na pré-implicância gratuita com produtos americanos mainstream e, por fim, nos deixar levar pela esperança, que no filme se impõe como uma certeza, de que podemos enxergar no outro uma razão e um motivo para seguirmos em frente, para darmos a cara a tapa, sem medo de errar. Pode ser um pouco exagerado dizer que o livro de Julia Child na vida real, "Mastering the Art of French Cooking", tenha realmente mudado o mundo, como o disse seu marido, Paul Child. Todavia, ele definitivamente mudou a de Julie Powell, autora do livro que deu origem ao filme, e é certo que tocou mais uma meia dúzia de almas por aí. Há pessoas que encontram a salvação na precisão e da delicadeza necessárias para o preparo de um prato mais sofisticado, o que nos faz perceber que esta salvação pode estar em qualquer lugar, escondida nos cantos mais improváveis das vidas mais monótonas. O que vale é que, de uma forma ou de outra, ela está sempre ali. E é esta a lição que deve ficar. Bon Appetit!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Faixa de Gaza é aqui.

O Rio de Janeiro continua lindo... continua sendo... aquele abraço pra galera de Realengo. Continua sendo a sede dos Jogos Olímpicos de 2016... continua com estonteantes praias... belas paisagens... quando Deus o desenhou, ele estava namorando. Sou sempre a primeira a defender a minha cidade, compro briga mesmo, e não me canso de exaltar essas tais belezes que, simplesmente ao olha-las, nos faz ter a mais plena certeza de que Deus existe. Mas uma foto no jornal O Globo desses dias me chocou: em algum lugar da Zona Norte da cidade, o corpo de um homem jazia dentro de um carrinho de supermercado, no meio da rua, enquanto transeuntes por ali passavam como se nada estivesse acontecendo. Olha, acontecendo estava... tinha um homem morto ali a menos de um metro deles. Isto já seria macabro o suficiente, mas o problema é maior do que a morte em si. O problema é que essas mortes se tornaram normais, e passamos por elas com a mesma naturalidade que passamos pelas belezas cariocas. O belo e o horroroso, o sublime e o medonho, o mágico e o real amargo convivem ali, lado a lado, todos os dias.

No último feriado estive em São Paulo, e durante uma conversa em uma mesa, um homem que havia acabado de conhecer me perguntou como estava o Rio. É sempre assim, quando eu saio daqui, e sempre respondo de bom grado, cheia de orgulho, o mais clichê "continua lindo...". Daí ele emendou com outra pergunta: "e a violência, como está?". Sempre achei uma sacanagem o que fazem com o Rio, pois fora daqui, tudo que se vende é que no Rio de Janeiro só há violência, que as pessoas andam amedrontadas na rua, que são assaltadas todos os dias e, principalmente, que balas perdidas acontecem em todos os bairros, em todos os momentos. Sempre fiquei bastante irritada com isso tudo, pois nunca me aconteceu nada aqui, diferente de outros lugares. Sempre enxerguei o Rio de Janeiro como o meu lugar, o local que me acolhe, onde eu me sinto em casa, onde eu me sinto melhor. Sempre, até dia desses.

A beleza é ofuscada quando, em dois dias, mais de vinte pessoas morrem em confrontos de traficantes de morros rivais, que conseguiram arquitetar, armar e executar uma verdadeira guerra civil em plena Cidade Maravilhosa. Mais do que me entristece, isso me revolta. Quanto mais teremos que esperar, quantas pessoas mais terão que morrer, quantos crimes hediondos a mais terão que acontecer para percebermos que essa situação já fugiu do controle dos cidadãos e das autoridades? Por falar nelas... onde estão as autoridades? Temos uma polícia corrupta, que compactua com esses mesmos bandidos, e um Governo Federal INCOMPETENTE que está mais interessado em fazer campanha política das obras de transposição do rio São Francisco quando, na verdade, era com outro Rio que deveria se preocupar. Não temos mais em quem confiar, a não ser em nós mesmos, e na esperteza de não frequentar tais lugares depois de certos horários, de saber por onde andar, e etc. Não que isso não aconteça em mais vários outros lugares, do Brasil inclusive. Não venham me dizer que é só no Rio! A diferença é que, ao contrário de outras cidades, em que as periferias são distantes dos grandes centros e, assim, a pobreza está distante dos olhos e do coração, no Rio de Janeiro ela está ali, dividindo espaço com os cartões postais. Está no menino que joga bolinhas no sinal, nas famílias de bem que moram em favelas, convivem com o medo diariamente cara a cara e perdem entes queridos e batalhas com as quais elas não tem nada a ver.

Este foi somente um desabafo, de quem já se cansou de não ver nada acontecer, de ter os próprios governantes - aqueles que eu, e você, ajudamos a colocar lá onde estão - e a parte corrupta da polícia ajudar a destruir uma cidade que, sem toda essa confusão seria, sim, perfeita. Porque a beleza é perfeita, o povo é perfeito, o clima é perfeito. Mas não dá mais pra conviver com a supremacia de bandidos que são muito mais organizados e competentes do que os orgãos responsáveis por nos proteger, e por acabar com eles. Não quero esperar até 2016 para ver o exército nas ruas garantindo a segurança dos Jogos e saber, com as mais absolutas convicção e certeza, de que posso andar livremente, por todo e qualquer lugar, em qualquer horário, sem que nada me aconteça.
O Rio de Janeiro só terá jeito quando cada um de nós, cidadãos que amam a cidade, enxergarem que nada disso é normal. Pode ser comum, infelizmente, mas não é normal. NÃO PODE ser normal.

Que a memória de Tim Lopes nunca se apague, assim como a das pessoas de bem que perderam suas vidas nos recentes conflitos em Vila Isabel.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Te amarei para sempre, ou até que você suma de novo.


Quem me conhece minimamente, ou pelo menos quem se dá ao trabalho de ler esse blog com alguma frequência, sabe que eu sou caidinha por Hollywood. Uma vergonha para os estudantes de Cinema do Brasil, eu sei! Porém, como não sou mais uma estudante, tampouco me formei em Cinema, e sim em Comunicação Social (embora tenha me habilitado em Cinema), posso me dar ao luxo de flertar com esse incrível e insosso cinema pipoca de massa sem correr o risco de ser enxotada para algum tipo de exílio intelectual virtual (não que eu, exatamente, me importasse com isso em outros tempos).

Mas não estou aqui para elogiar, não dessa vez. Uma das várias indiscutíveis facetas hollywoodianas é a capacidade de nos fazer debulhar em lágrimas com historinhas água-com-açucar. Pelo menos, comigo isso sempre acontece. Tem dias que me bate uma solidão tão profunda que eu sei que somente uma coisa em todo o mundo pode remediar a minha dor: o cinema. E lá que eu me abrigo, naquela sala escura, circundada por completos estranhos que não me vêem, não me enxergam, não se importam comigo. Escolho a dedo um filme bem dramático, uma tragédia, uma história de superação ou um romance mela-cueca que eu sei que, sem dúvidas, vai fazer com que as lágrimas brotem sem o menor esforço, e sairei de lá revigorada.

Foi isso o que procurei ao assistir "Te Amarei Para Sempre" (The Time Traveler's Wife, de Robert Schwentke), mas meu intuito foi por água abaixo. Uma história sobre uma mulher que se apaixona por um homem que, por sua vez, possui a condição (ou a maldição) de viajar no tempo sem que ele tenha o menor controle sobre isso, o que a faz sofrer com as repentinas ausências de seu amado... fato que era garantia para uma boa dose de emoção falsificada. Não aconteceu.
Para começar, o protagonista Eric Bana (ele mesmo, o "Incrível" Hulk), não tem carisma algum na tela, e em vários momentos parece um tiozão mais velho de Rachel McAdams, a tal esposa. Ela sim, é absolutamente encantadora, e tem o par de olhos mais significativos dessa nova geração de atores americanos. Entretanto, em vários momentos, a narrativa é confusa, e o espectador passa mais tempo tentando entender se, afinal, o personagem de Eric vai do presente para o passado, do presente para o futuro ou se, no final das contas, ele vive no futuro e somente volta no tempo, e por que ele lembra de alguns eventos que ele viu em outros tempos e não se lembra de outros, do que de fato tentando se envolver na história. Eis aqui a minha crítica, que talvez seja, inclusive, criticada por muitos: um dos méritos de Hollywood é o de fazer histórias sobre as quais não precisamos pensar muito, somente nos deixar envolver, sonhar, querer aquilo em nossas próprias vidas e, ao final, consumir! "Te Amarei Para Sempre" é baseado no livro homônimo de Audrey Niffenegger, o qual eu não li, mas suspeito que seja melhor narrado do que o roteiro adaptado de Bruce Joel Rubin.

Fui embora do Cinema com meu objetivo de debulhar-me em lágrimas completamente fracassado. Porém, ao chegar em casa, não pude furtar-me a pensar sobre o enredo principal do filme, e que vem a ser um dos meus assuntos principais, nos textos que escrevo e na vida: o tempo. Em algum momento da vida, todos pensamos como seria ótimo poder viajar no tempo. Assim, poderíamos reviver momentos felizes, brincar novamente com aquele nosso cachorrinho que morreu, matar saudades de tempos vividos, e até mesmo rirmos da nossa própria coragem por ter feito "aquele" corte de cabelo. Assim como seria possível, em nossos devaneios, voltar ao passado, tambem poderíamos viajar para o futuro, caso essa condição/maldição do personagem de Bana no filme realmente existisse. Dessa forma, veríamos como seríamos mais velhos, quais seriam os rostos dos nossos filhos, em que momento de nossas carreiras estaríamos em 5 ou 10 anos. Poderíamos, inclusive, começar a tomar cuidado ao tomar sol, a parar de comer besteiras, a realmente visitar o cardiologista uma vez por ano. Seria incrível ter esse controle de nossas próprias vidas, não seria?

Não, cheguei a conclusão de que não seria. Se pudéssemos voltar ao passado e reviver, ou rever, algumas situações, teríamos, então, o poder de mudá-las? Se pudéssemos, acabaríamos por mexer na ordem maior do tempo, no livre arbítrio das outras pessoas e nos tornaríamos, então, Deus. E isso seria catastrófico, pois imagine se mais de uma pessoa pudesse voltar no tempo e modificar um mesmo evento, de acordo com suas vontades pessoais? Verdadeiras guerras poderiam acontecer! No caso do filme, o personagem de Eric não podia modificar aquelas coisas que ele via no passado. Supondo que isso fosse possível na vida real, imagine que dor excruciante seria ter que rever aquele ente tão querido morrer, sem nada poder fazer para salvá-lo? Ou assistir o amor da sua vida indo embora sem que você pudesse chamá-lo para dizer "Não vai, não... fica comigo! Foi um erro não ficarmos juntos, você vai ver lá na frente!".
Mais grave, ao meu ver, seria a possibilidade de vermos o que aconteceria no nosso futuro, caso ele fosse realmente um caminho reto, sobre o qual não temos a menor escolha. E se víssemos que aquela faculdade que estamos fazendo não vai dar em nada, pois jamais seremos bem sucedidos naquela profissão? E se estivéssemos a um dia do nosso casamento com aquela pessoa mais especial do mundo, e descobríssemos que nos divorciaríamos em dois anos? E se contraíssemos uma doença sem cura, ficássemos irremediavelmente infelizes? É claro que todos gostaríamos de ver que nossas vidas futuras seriam um mar de rosas, mas e se não fosse assim? De tudo isso, o mais instigante é: se pudéssemos, de fato, ver o que aconteceria em nossas vidas, mudaríamos nossas escolhas? Mudaríamos de faculdade? Cancelaríamos o casamento? Pararíamos de fumar? E se não pudéssemos mudar, estaríamos para sempre condenados e fadados a escolhas fracassadas que nos levariam, por fim, a vida que não sonhamos?

Para todas essas perguntas, a única conclusão que consigo chegar é a de que existe, realmente, um motivo para a ordem natural das coisas ser do jeito que ela é. E esse filme só reforçou dois verdadeiros dogmas que tenho em minha vida: o primeiro, é tentar ao máximo aproveitar cada momento, cada dia, pois ele realmente não volta mais, nunca mais. Não me rendo, aqui, ao clichê do carpe diem e da "vida louca, vida breve", como muitos jovens gostam de clamar, mas me refiro a sincera experiência de aprendizado diário, e tentativa de proveito máximo. O segundo é minha completa descrença em cartomantes e fortune-tellers em geral, pelo simples fato de que, se pudéssemos saber o que vai acontecer em nossas vidas, teríamos um controle que não nos convém, e abriríamos mão de um dos nossos maiores bens: o livre-arbítrio. Além disso, estaria assumindo que a vida é, realmente, uma estrada traçada, o que muitos chamam de destino, e não um caminho que trilhamos com as nossas escolhas, certas ou erradas, mas sempre proveitosas, de alguma forma.

O poder de inverter a ordem do Tempo, esse grande Tempo que tanto me atormenta, só é possível por meio da deliciosa magia do Cinema.
Ainda bem.

sábado, 17 de outubro de 2009

Ôr, ô-ôr... Cada um com seu ditador.


Começo já pedindo que perdoem a minha ignorância aqueles mais politicamente engajados, mas eu desafio qualquer cidadão brasileiro comum (excetuando-se, talvez, os estudiosos e professores de Geografia), a apontar para mim no mapa onde fica Honduras. Se me disser que fica na América Central já está valendo, embora eu vá compreender se o humilde leitor achar que fica na América do Sul. Ok, América Central. Mas onde da América Central? Ficaria ali perto de Cuba? Ou de Porto Rico? Não, na verdade, Honduras fica perto da Nicarágua e da Guatemala. E é evidente que eu não sabia disso previamente, mas mais uma vez o Google Maps me localizou.
Não se trata de burrice, mas de falta de importância mesmo.

Não mudou a minha vida saber onde fica Honduras. Entretando, nas últimas semanas, esse pequeníssimo país tem sacolejado a vida política da nossa Pátria Amada - e Equivocada. Tudo porque o tal do Zelaya foi se abrigar na nossa embaixada, sem nem sequer pedir asilo político, simplesmente valendo-se do fato de que embaixadas são consideradas território estrangeiro, Logo, se um outro país invadi-la, é caso de guerra séria. Lá, praticamente montou um escritório particular, e discursava para os seus fiéis e fanáticos seguidores como se estivesse em um palanque, ou na varanda da sua casa.

Não entrarei nem no mérito de me questionar por que o Brasil tem uma embaixada em um país tão sem importância no cenário mundial, para não correr o risco de entrar na ignorância diplomática. Todavia, uma outra pergunta cabe aqui: alguem já tinha ouvido falar no Zelaya, antes de ele estampar as primeiras páginas de nossos mais importantes jornais? Alguem, de fato, se importa com quem deu o golpe primeiro? Afinal, por que estamos dando tanta importância a Zelaya?

Errado, muito errado. Sinceramente, acho tudo isso uma vergonha. Mais um motivo para sermos chacota mundial. Zelaya é um aprendiz de Chávez, o que nem em mil anos pode significar boa coisa. Foi ele, inclusive, que ajudou Zelaya a voltar escondido para Honduras, de onde tinha sido expulso, pois, entre outras pérolas, queria mudar a constituição de seu país para que pudesse permanecer por muito mais tempo no poder, tal qual o fez Chávez. Agora, por que ele não pediu asilo na embaixada venezuelana? Por que ele tinha que meter o nariz logo na nossa? A resposta para isso é fácil: porque o Chávez é muito mais malandro que o Lula, que só se acha esperto. Ele é "o cara", afinal. O Obama não disse? Então, se o Obama disse, tá dito.

Problemas diplomáticos à parte, a grande vergonha é, a meu ver, que nossos governantes estão fazendo exatamente o que sempre criticaram em nações poderosas, como os Estados Unidos: a prática do Imperialismo. O nem-um-pouco saudoso Bush não tinha nada que se meter nos assuntos do Iraque, não é mesmo? Então, por que estamos nós apitando no que acontece com Honduras? WHO CARES ABOUT HONDURAS????

É uma vergonha, de fato. Nem quando tentamos dar uma de importantes, mostrar que podemos ser Imperialistas também, fazemos isso certo. Nem mesmo escolhemos um país relevante para meter o bedelho, tem que ser logo algo tipo Honduras. República de Bananas, é o que somos. Errado, muito errado...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dizem que o tempo cura tudo. Falácia dos tempos, doce ilusão dos corações esperançosos por uma rendição, ingênua certeza no poder dos dias. O tempo não cura nada, ele somente mascara um sentimento que, sozinho, se cansa de existir. Os dias passam, os meses passam, até os anos passam, e novas preocupações e problemas surgem pelo caminho, tomando lugar de outros, já velhos conhecidos. É como uma ferida. Com o tempo, nos acostumamos e ela para de doer, momentaneamente. Por vezes até esquecemos que ela estava ali. Mas se batemos aquele local ferido em algum lugar, se derramamos sem querer alguma coisa nele, a ferida volta a doer. E aquela dor vem com tudo, impiedosamente nos lembrando da tortura que era senti-la antes. Assim como o tempo nada cura, são também falaciosas aquelas teorias populares que insistem em afirmar que, para curar uma paixão, só com outra. Ou que um novo corte de cabelo é capaz de superar desilusões, como se elas fossem embora junto com as madeixas. Ou até mesmo que um bom porre, ou uma enorme panela de brigadeiro, têm o poder de curar dores de cotovelo. Eles nada fazem além de nos fazer engordar e, quando se passa o efeito anestésico, sentirmos que não havia absolutamente nenhum motivo prático para aquilo.
Assim, se um dia você se machucou, ou se alguem te machucou, pode estar certo de que você pode até superar este confronto interno, amenizar esta situação quando outras tantas mágoas aparecerem, e viver bem - com sorte, muito bem - com isso. Vence-se a batalha, porém nunca a guerra. Como um vírus da gripe que nunca sai do seu organismo, e em qualquer recaída da sua saúde, qualquer momento de imunidade baixa, ele ataca novamente. Não é uma questão de perdão, mas de memória.
Viva com suas mágoas e suas dores, tente encará-las como cicatrizes, ou até mesmo belas tatuagens gravadas na sua pele, que preenchem seu corpo e contam a sua história, afinal elas são, também, parte da sua vida, e te fazem quem você é. Acima de tudo, procure fazer o seu melhor para não machucar ninguem, pois aquela pessoa tambem terá que lidar com isso para sempre. Porém, não se iluda, não se engane e não se prenda à esperança de que o tempo vai, por si só, fazer desaparecer tudo aquilo que te corrói hoje. Mas não se desespere! Não se prenda em uma bolha, não desista de interagir com as pessoas, não tenha medo de se arriscar em paixões e loucuras. A dor é física, e ela pode ser boa. Ela é a evidência amarga, porém profícua, de que ainda sentimos algo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Carolina vesus a Gripe A.

Quando tinha uns onze anos, li um livro chamado “O Diário de um Adolescente Hipocondríaco”, e tive um daqueles momentos de revelação na vida. Descobri que aquilo que eu era não era um surto particular meu, e que tinha um nome e mais um monte de gente igual a mim. Sempre achei muito esquisita a minha mania, que existe desde que me entendo por gente, de andar bom uma bolsinha de remédios na bolsa. Ando sempre com Tylenol, Tylenol DC, Postan, Buscopan, Engov, Fluviral, Luftal e Plasil, além de pacotinhos daqueles de sal que todo mundo rouba de mesas de restaurante, para caso a pressão baixar. Na gavetinha da minha mesa de cabeceira, bem ao lado da minha cama, tenho a postos um termômetro e um pote de Passiflorine (calmantezinho leve pra dormir, coisa besta, tenho insônia quando fico nervosa). A qualquer pequeno sinal de alteração na minha temperatura, já coloco o termômetro para me certificar de que está tudo bem. No primeiro espirro, quando a garganta começa a arranhar, não hesito e entro logo no antibiótico. Não consigo conceber como algumas pessoas simplesmente suportam ficar sentindo dor física, principalmente aquelas que podemos evitar, como uma dor de cabeça ou dor de dente. E nada disso por ser extremamente cuidadosa com a minha saúde, afinal eu sou uma fumante. Acho que sou só meio freak mesmo. Mas assumo minha hipocondria como outros assumem que são viciados em sexo, alcoólatras, adoradores de seitas estranhas, ou fãs dos Jonas Brothers. E vivo bem assim.

Diante desse cenário, pode-se imaginar como estou neurótica com essa tal de Gripe A. Acompanho com veemência cada nova informação dos infectologistas nos jornais, e juro que já procurei saber onde vende o tal do Tamiflu. Estou com medo de tocar em qualquer coisa na rua. Demoro duas vezes mais em banheiros públicos, pois procuro não encostar minhas mãos em absolutamente nada. Empurro a porta com o corpo, uso um papel para apertar a descarga e para abrir a porta. Tomo o maior cuidado do planeta em não colocar as mãos nos olhos, boca ou nariz, enquanto estou na rua, porque dizem que se você tocar em algum lugar que alguém com gripe suína tocou, ou mesmo apertar as mãos de alguém com o vírus, e depois encostar a mão em um desses três lugares do seu rosto, já era! A suína te pegou de jeito.
Além disso, chego em casa e, antes de qualquer coisa, lavo muito bem as mãos, ensaboando umas três vezes. Se os médicos estão recomendando, é isso que eu faço. Tenho evitado de ficar em lugares fechados e com grandes aglomerações, olho de cara feia quando alguém espirra ou tosse do meu lado sem o cuidado de colocar a mão na frente, e estou cogitando a possibilidade de comprar um gelzinho pra levar na bolsa. Não parei de viver minha vida, é claro, mas não dou sorte para o azar.

O bicho ta pegando, a coisa ta ficando feia. E tem gente que ainda não se tocou nisso. Uma em quatro pessoas, na população mundial, vai pegar essa gripe. É uma pandemia séria, pior do que a ameaça do envelope com Antrax há alguns anos atrás, ou aquele mito de abrir um pote com varíola em um metrô em Nova York. Porque a Gripe A está bem aí, no nosso vizinho, no amiguinho da escola do seu filho que passou as férias na Disney, no seu colega da academia que foi pra Buenos Aires nas férias. Ela é uma ameaça e uma realidade, e está em todo lugar, se fazendo presente justamente na forma mais simples de doença, que todo mundo lida com naturalidade: uma gripe. Tenho, sim, sérias razões para estar com medo. E é por isso que, hoje, agradeço pela minha hipocondria, pois estou muito mais alerta do que os demais para os primeiros sinais de qualquer coisa errada no meu organismo. A neurose, as vezes, te ajuda a sobreviver.

Por enquanto está tudo bem comigo, e assim pretendo permanecer. Continuo acompanhando as notícias, e torcendo para que os infectologistas encontrem logo uma solução mais imediata, pois se a vacina realmente só chegar por aqui em março de 2010, a coisa vai ficar ainda mais feia. Só posso dizer que, diante de todos esses cuidados, tenho a mais absoluta razão de, se por acaso algo acontecer (toc toc toc, três vezes na madeira), mais do que amedrontada ao máximo, eu vou ficar é bastante irritada. Logo eu? A garota dos remédios na bolsa? Aquela que não sai de casa quando está com febre? Ah não... é muita sacanagem eu pegar a gripe suína! Suína! Logo eu, que sou filiada ao PETA e não como bacon! Desculpa, mas acho que eu mereço um certo desconto. Nada mais justo do que eu estar lá no final da fila, mais imune que os demais.

No mais, permaneço me cuidando, enquanto a suína ronda nossas portas.
And isn't it ironic? Don't you think...?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sobre certezas.

Aqui em casa rola uma espécie de clube do livro. Meu pai e eu temos uma mini-biblioteca em um cômodo acoplado à cozinha que, teoricamente, serviria como quartinho de empregada. Lá, guardamos como tesouros grandes livros, clássicos ou não, mas alguns meus, alguns dele – talvez esteja aí uma das origens de minha nerdice aguda. Além disso, meu pai costuma trocar de livros com amigos, numa espécie de escambo intelectual temporário, no qual o livro volta para seu dono original. E não importa exatamente o gênero ou o gosto. Simplesmente eles separam livros que gostaram e emprestam uns para os outros. Funciona, pois assim não se precisa comprar todos os livros que se quer ler (sim, eu sei que isso é um sacrilégio vindo de uma escritora).

Dessa vez, na última rodada de empréstimos, chegou aqui em casa um livro do Jabor. E como eu sou mais rápida no gatilho, já o separei para ler antes que meu pai o pegasse. E tenho devorado as crônicas de “Porno Política – paixões e taras na vida brasileira”, assim como eu devoro todo e qualquer texto ou filme que venha de Jabor. Uma delas, porém, me chamou a atenção de forma especial. E, surpreendentemente, dessa vez não pelo conteúdo. Jabor falava sobre uma de suas paixões e mulheres – ele teve muitas – e discorrendo sobre as entrelinhas e meandros do amor, ele soltou uma definição que me deixou encucada. Ele falou sobre "certezas imediatas".

Fiquei pensando no que seriam essas tais certezas imediatas, quando se trata de amor. E concluí que, na verdade, elas não existem no amor, e sim na paixão. E, pensando comigo mesma, concluí que são aquelas confianças inabaláveis que nos arrematam em toda e qualquer paixão.

Apaixonados, temos a mais absoluta certeza de que aquela não é somente mais uma pessoa, mas "a" pessoa. E que ninguém nos questione sobre isso, pois simplesmente não conseguimos compreender como os outros não conseguem enxergar o que é tão claro para nós. Ficamos absolutamente certos de que aquele beijo é o melhor beijo, aquele abraço é o melhor abraço, que em uma população de 6 bilhões de pessoas no mundo não há ninguém igual aquela pessoa. E que você vai ficar a vida inteira com ela, claro que vai. Simplesmente porque vai, porque é assim que tem que ser, você tem certeza disso. E elas todas, as certezas, vêm com uma rapidez impressionante. São imediatas, afinal. Batemos o olho e sabemos, nada mais é preciso.
Até aí, pode-se dizer que essas sensações são gostosas, e de certa forma até saudáveis. É uma delícia se apaixonar assim, e fazer planos e mais planos. As tais certezas imediatas, entretanto, passam a ser perigosas quando elas começam, pouco a pouco, a nos cegar. Ficamos tão inquestionavelmente certos de que aquilo que sentimos é a verdade absoluta, quase dogmática, que não enxergamos as pequenas e dolorosas falhas nesses posicionamentos tão absolutos. Quando o fogo baixa é quando começamos a perceber que essas certezas não são baseadas em argumentos concretos ou em fatos consumados, mas pura e simplesmente no que sentimos. E como muitas vezes, como já disse o poeta, "as idéias não correspondem aos fatos", passamos a nos perguntar se ainda temos tanta certeza mesmo daquilo tudo. Aos poucos, aquela pessoa tão absurdamente especial, tão incrivelmente feita sobre medida pra você, talvez – talvez mesmo – não seja enfim aquela com quem você vai envelhecer ao lado. E isso porque finalmente assimilamos que, infelizmente, não basta só um lado da história ser tão certo assim quanto a isso. Experimentamos outros beijos e vemos que, ainda que aquele tenha sido delicioso, há outros muito bons também. E, então, quando a paixão esfria, as certezas se esvaem. O que fica, muitas vezes, é uma mágoa que só passa com o tempo, mas acaba passando, eventualmente. As vezes ficam também fotos cortadas, cartas que nunca foram enviadas, e umas tatuagens com o nome dele ou dela em partes sugestivas do corpo, mas nada que umas sessões a laser não curem.

A grande questão é quando a paixão abaixa e as certezas ficam. E, então, elas se modificam um pouco. Elas não são mais tão imediatas, e passam a ser acompanhadas de leves dúvidas. Saudáveis, todavia. Mas ainda assim, permanecem certezas. Ainda sabemos – simplesmente sabemos – que aquela pessoa é especial demais, que ela mexeu conosco de forma única e nova. De que aquele beijo é, sim, talvez não melhor, mas muito mais deliciosamente particular do que todos os outros, até os que ainda não experimentamos. E que, mesmo que talvez, por ironia ou implicância da vida, não casemos com aquela pessoa para sermos felizes para sempre em uma linda casa com filhos e cachorros, isso realmente só aconteceria se desse tudo errado. Preferimos, porém, acreditar que tudo vai dar certo.

O que mudou, então?
O sentimento mudou. A paixão se transformou em algo muito maior, e ainda mais angustiante. Ela se transformou em amor. E no amor, não temos tantas certezas assim. Na verdade, temos muito mais dúvidas, em uma desproporção enorme em relação às certezas dogmáticas. Ainda assim, se somos tão certos quanto a algo que não é racionalmente explicado ou comprovado, mas pautado somente no que sentimos dentro de nós, é porque alguma coisa ali faz sentido. Não se sabe tanto, não se sente tanto, se for a toa.

O tempo – melhor remédio e psicólogo que se pode ter – vai poder dizer se nossas certezas eram coerentes, ou se foram por água abaixo. Enquanto isso, não vejo absolutamente nenhum mal em sentir isso, contanto que não te faça mal. Porque isso é amor, e ao contrário de certas teorias e visões que correm por aí, o amor não foi feito para te fazer mal.

Ter certeza não é um crime. E amar, acredite, não dói.

domingo, 2 de agosto de 2009

Lá vem a noiva.

Casamentos me comovem. É sempre assim. Fico ansiosa esperando a noiva entrar, choro quando ela entra, choro nos votos, choro quando os noivos saem, choro na primeira dança. E estranho a reação estática e fria que muitas pessoas têm a isso. Acredito, inclusive, que nossa sociedade pós-moderna quase nos impõe uma certa dureza, como se a entidade do casamento fosse algo ultrapassado, que já não tem mais valor, que ficou para trás. E que apreciá-la o torna alguém de cabeça fechada, preso a valores antigos, careta. Sinceramente, porém, não ligo nem um pouco pra esse tipo de pensamento atual, porque acho, sim – e sem vergonha de assumir – a instituição do casamento uma das coisas mais bonitas que alguém pode fazer em vida.
Estou escrevendo sobre isso porque ontem fui ao casamento de dois amigos meus muito próximos ao meu coração e muito queridos. E pouco antes de a cerimônia começar, já sentada na simpática e pequenina Igreja São Conrado, me peguei absorta em meus próprios devaneios, e só conseguia pensar a tamanha sorte que tiveram os dois por terem se encontrado. Sim, porque estou longe de acreditar em almas gêmeas, mas em um mundo com bilhões de pessoas, eles se conheceram, e em determinado momento pela vida se olharam e disseram “é com você que eu quero ficar pra sempre”. E ali, naquela noite, aquela capelinha estava repleta do mais sincero sentimento de amor. Não só o dos noivos, mas também dos familiares e amigos presentes, que se dispuseram a sair de casa justamente para celebrar essa união.
Casar é assumir um compromisso para a vida inteira. É abrir mão de um monte de outras bocas, peles, cheiros e sexos porque, sinceramente, a existência deles nem mesmo importa. Só uma pessoa basta. É juntar seu caminho com o de outro para, juntos, trilharem um só. É dividir quem você é com alguém, é somar-se, completar-se. É declarar para o mundo inteiro, e dividir com as pessoas mais próximas, a alegria de ter finalmente encontrado aquele – ou aquela – que você esteve esperando sua vida inteira. E é, acima de tudo, crer no amor e trabalhar por ele, todos os dias. É ter a coragem de arriscar. E fazer dar certo.
Para aqueles que assistem, principalmente os que amam alguém, como eu, não é humanamente possível furtar-se a pensar no dia em que aquela cerimônia estará acontecendo consigo próprio. O dia que chegar a sua vez de gritar para quem quiser ouvir que você, agora, pertence a outro além de pertencer a si mesmo, e que o faz de bom grado. Que você entrega seu coração sem medo e sem receio. Enquanto esse dia não chega, resta-nos ser um pouco abençoados por aquele amor ali presente, um pouco energizados por ele, e em troca abençoar e energizar os recém-casados com os nossos mais profundos sentimentos de carinho, amizade, respeito, votos de felicidades, companheirismo e, como não poderia deixar de ser, amor. Muito amor. Esse sentimento que, embora banalizado nos dias de hoje, é tão magnífico que nem mesmo é possível explicá-lo, cantá-lo ou escrevê-lo, somente vivê-lo. E é o mais próximo do divino que podemos vivenciar aqui.



Obs: Esse texto é dedicado aos meus queridos amigos Maria Victória e Rodrigo. Que o caminho de vocês seja repleto de luz. Que tenham, juntos, uma vida inteira de alegrias, e que ela seja tão bela e feliz como a cerimônia e a recepção de ontem a noite. São os meus mais profundos votos. Um beijo enorme, Cá.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

"Once again, I must ask too much of you, Harry."


Eu diria que ir a estréias de filmes do Harry Potter, um hábito que eu cultivo desde o terceiro filme da série, é uma experiência, no mínimo, antropológica e heróica, se você consegue sobreviver. E foi por ela que eu passei mais uma vez, na última quarta feira. Desbravando uma multidão de seguidores fiéis, tentando me esquivar das várias varinhas que se materializavam nas mãos de pessoas vestidas a caráter, e procurando me achar entre aquele mar de sobretudos com os símbolos da Grifinória, e até alguns da Sonserina (as casas de Hogwarts, pra quem não sabe), consegui enfim o meu tão suado ingresso. Depois foi outra luta para conseguir entrar na sala de exibição, mas como já estava escolada das outras estréias do gênero, já sabia me proteger a fim de não ser pisoteada por aqueles que literalmente correm tanto para chegar antes na sala como se suas vidas dependessem de um melhor lugar.
Humildemente conquistei o meu espaço, e fiquei até mesmo satisfeita com ele. Eu, uma fã normal, que leu todos os livros e admira tanto a genialidade da escritora, que se submete a passar por esse tipo de situação. Eu, que era uma pária naquele lugar, pois não estava vestida a caráter, não discutia efusivamente sobre os pormenores da volta de Voldemort e não posuía varinhas de brinquedo para ficar duelando feitiços imaginários com outros fãs. E não estou falando de crianças. As pessoas que demonstravam esse tipo de comportamento tinham a minha idade, alguns até mais. Porém, como é cada um no seu quadrado, cada um se veste como quiser – ainda que isso signifique caminhar pelo Barrashopping com um óculos torto sem lente e uma cicatriz em forma de raio feita a lápis de olho na testa – decidi me focar no filme. Eu tinha tudo que precisava ali. Minha pipoca, minha Coca Cola, e minha dignidade.
O espetáculo, enfim, começou. Nos primeiros segundos, quando o logo da Warner aparece entre nuvens nebulosas com a trilha sonora do filme ao fundo, eu experimentei aquela mesma sensação de todas as outras vezes: um leve arrepio na espinha e uma tremenda excitação. Viro uma criança pela primeira vez na Disney, esperando assistir ali uma história que, convenhamos, eu já sabia de cabo a rabo, uma vez que li o livro, mas que mal podia esperar por vê-la contada em imagens. E sim, gostaria de falar das imagens. David Yates arrebenta, aquele inglês. Os movimentos de câmera, constantemente “entrando” nos lugares, muitas vezes sob o ponto de vista de um dos personagens, faz o espectador também se sentir mais parte da estória. E tudo que os fãs de Harry Potter querem é participar da estória, acreditar que ela é real. Ponto para ele. A fotografia e a direção de arte também se superaram. A paleta de cores escolhida, que combinava os figurinos com as luzes e filtros utilizados, proporcionaram um ar sombrio, nem um pouco infantil, totalmente condizente com a fase da vida do protagonista, e também com o andamento da série, que desde o quarto livro deixou de ser para crianças. O predomínio era de tons pasteis e do cinza, tão usado que em alguns planos parece até mesmo um filme em p&b. Mais um ponto para as equipes de direção, que dificilmente erram quanto tentam refletir no visual do filme o estado de espírito do personagem principal. O enredo, em si, é interessante, porém não é dos mais atraentes, mas isso porque o livro não é o melhor deles. O roteiro é, em si, bem construído, mas não dá nenhum frio na barriga, nenhuma série de momentos em que você simplesmente de afasta da cadeira de tanta tensão – com exceção talvez da sequência do lago, estrelada por Harry e Dumbledore, quando eles vão procurar uma das Horcruxes de Voldemort. O trio principal, Daniel Radcliff, Emma Watson e Rupert Grint, cresceu diante dos nossos olhos, porém com exceção de Rupert, os outros dois ainda não aprenderam a interpretar, embora tenham tido alguns muitos anos de experiência com as personagens para isso. Daniel é inexpressivo, e Emma é caricata, em muitos momentos. Entendo que pode ser um pouco de influência da escola de atores ingleses, mais comedidos que os americanos, por exemplo, mas em um elenco que conta com nomes como Alan Rickman, Michael Gambon, Jim Broadbent e Maggie Smith, não é de se espantar que o próprio protagonista fique apagado. O que não chega, entretando, a comprometer o filme de um modo geral.
Por esta série de motivos, Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half Blood Prince, de David Yates, Inglaterra 2009), é um pouco mais do que um filme para fã. No final das contas, não é preciso ter lido o livro e conhecer os pormenores da narrativa para entendê-lo. Obviamente a experiência é muito mais interessante se você é um fã, mas os que não são podem, pelo menos, desfrutar de um belo espetáculo visual, feito por quem sabe fazer Cinema para o grande público, e tem uma considerável ajuda financeira para isso.
Por falar em experiência, por mim, esse ano, já deu. Harry Potter and the Deathly Hallows, parte I, estréia nos cinemas de todo o mundo em 2010. Ate lá, vou me preparando psicologicamente para mais um ataque dos fanáticos massivos, e contando os dias para ver meu herói bruxo preferido na grande tela, em um momento que, apesar da multidão que me cerca, continua sendo, impreterivelmente, só meu.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Minha Estrela no céu.


Com todo respeito ao Rei do Pop. Hoje o mundo inteiro – literalmente – acompanhou o funeral de Michael Jackson e chorou mais uma vez a morte do ídolo, com um espetáculo final a altura do que ele foi em vida. Mas minha dor foi muito mais individual, e talvez mais egocêntrica. Hoje, dia 7 de julho, foi a vez do meu bichinho, minha Estrela, um membro importante na minha casa e na minha vida, ir embora dela. Minha cachorrinha que cresceu comigo, que viveu quase 16 anos ao meu lado, não resistiu ao peso que a idade e o tempo traz para todos, pessoas e animais. É uma angústia inevitável. Não queremos ver nosso amigo sofrendo e sentindo dor, mas também não queremos que ele vá embora. Entretanto, temos que deixar o egoísmo de lado e apoiá-lo para que ele se vá em paz, e descanse finalmente. Posso dizer que fiquei ao lado dela até o fim, mesmo eu própria sofrendo, só para que ela sentisse nos seus últimos momentos o quanto era amada, e o quanto eu e meus pais sentiremos sua falta. Já hoje a tarde e a noite era estranho demais não vê-la caminhando pela casa, não tê-la arranhando a porta do meu quarto no fim da tarde para que a levasse para passear, como fazia todos os dias, não vê-la no seu cantinho, que era só dela, onde ficavam seus brinquedos e sua caminha. E sei que será assim por muitos dias, até eu me acostumar com a ausência dela. Mas no meu coração, Estrela vai viver eternamente, e gosto de pensar que ela estará sempre caminhando ao meu lado ou me olhando lá de cima, onde ela finalmente virou uma estrela de verdade. Ela foi mais importante e presente em minha vida do que muita gente, e ainda não sei exatamente como vai ser sem ela. Mas o que tento guardar em mim não são os últimos momentos em que segurei-a no meu colo ou fiz carinho em sua cabeça, sussurrando que aquele sofrimento ia passar logo logo. Tento mentalizar os momentos bons, as brincadeiras e a alegria que ela me proporcionou durante tanto tempo. Ela vai ser sempre a minha Estrela, e jamais, em hipótese alguma, será esquecida.

Eu já estou morrendo de saudades.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Moonwalker in Heaven.

"-Menina, o Michael Jackson morreu...", "Ah, claro que não!". A segunda frase foi a minha reação à primeira, dita por uma amiga minha ontem a noite. De primeira, confesso que pensei se tratar de mais um dos vários boatos que permearam a carreira e a vida de Jackson. Poucos instantes depois, no entanto, parei para pensar que talvez fosse verdade. Afinal, ele não era exatamente um grande exemplo esbanjador de saúde física – e mental. E não esqueçamos que, atrás da verdadeira máscara de qualquer coisa não-humana na qual Michael vinha se tornando ao longo dos anos, ele tinha cinqüenta anos. Não era mais um garotão. Ainda assim, me custava acreditar. E isso porque Michael Jackson era, para mim, uma daquelas pessoas que não morrem nunca. Que existem desde que o mundo é mundo e que assim permaneceriam para sempre. Tal impressão acontece quando a personalidade – artista, político, atleta – transcende sua própria obra para se tornar uma outra coisa. Uma imagem, um elemento de outro mundo. Um item quase etéreo diante de nós, meros mortais desprovidos de tão incrível talento. Porque realmente o tino do cara para música e business não acontece todo dia. É um em um milhão. E digo isso sem hipocrisias, não é porque ele morreu que se tornou uma lenda. Ele já era uma lenda, um mito, enquanto vivo. Michael Jackson passou de pirralho simpático e espevitado – e profundamente explorado – para um ícone da música mundial, alguém que reinventou a dança e brincou fazer sucesso. Parecia mesmo brincadeira, a vida dele. Rancho Neverland? Dormir com menininhos? Trocar de cor, de fisionomia? Casar com a filha do Elvis? Pendurar o filho pela janela? Sim, parecia brincadeira. O que não é brincadeira – tampouco mentira – é que o show, de fato, acabou. Fecharam-se as cortinas e o que fica é um legado insuperável. O Rei do Pop morreu, mas somente a matéria. Uma matéria que, inclusive, merecia há tempos descansar. A alma, no entanto, vive na música e nos corações de milhões de fãs em todo planeta que hoje choram a perda de um ídolo, mas celebram e eternizam – ainda sem saber – a carreira e a vida de um astro.

Com o mais profundo respeito, R.I.P, The King of Pop.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Agora praticamos o exercício da ignorância mútua. Nos vemos, mas fingimos que não. Do meu lado, é ignorância proposital, pois não quero mostrar que me importo. Atitude estúpida, pode ser, mas depois que o essencial foi dito, depois que o coração foi aberto, colocado na mão do outro e, ainda assim, este fez questão de jogá-lo fora, realmente não há mais nada a dizer. A não ser fingir que não se importa para que, um dia, realmente, isso seja verdade. Do lado dele, ao que tudo indica, é indiferença mesmo. É falta de interesse. Já passei da fase – e da idade – de achar que tudo faz parte de um joguinho. Ele me vê mas, sinceramente, não me vê. E não me vê porque vê outras coisas muito mais importantes para si. Vê outras pessoas. Vê outra pessoa. E isso é o que mais dói. Não doeria tanto se me detestasse. Não sou do tipo que faz banquete com migalhas, mas essa é a grande verdade.
Dói mais estar lá e não ser visto, como se não existisse.

O sentimento contrário ao amor, afinal, não é o ódio, mas a indiferença.

domingo, 17 de maio de 2009

A Volta.

Certa vez, uma pessoa muito sábia me disse que quando viajamos e nos afastamos um pouco de nossas vidas, conseguimos realizar uma coisa ou outra que não nos satisfaz sobre ela, e então, ao voltarmos, estamos mais cientes a atentos para fazer qualquer tipo de conserto. Depois de duas semanas em São Paulo, fazendo um curso que foi, sem dúvida, uma das maiores sacadas que eu tive em tempos e mudou muita coisa na forma que eu trabalho e penso sobre a vida, voltei pro Rio cheia de boas expectativas e com a mente mais clara em relação ao que de fato almejo em minha profissão. E principalmente o que estou fazendo por isso.
Alguem já chegou pra você, querido leitor, enfiou o dedo na sua cara e perguntou:
"-Você está exatamente onde queria estar em sua vida?"
Se ninguem nunca o fez, eu faço agora.
Pense nisso.
E se a resposta for não, pergunto mais:
"-E por que? O que você está fazendo, que caminho você está trilhando, que justifique você não estar exatamente onde gostaria de estar em sua vida?".
O melhor de ser artista é o fato de que ele, seja pintor, músico, escritor, romancista, poeta, cineasta, ator, fotógrafo...é um canal. Um canal para que outras vidas, outras emoções, outras virtudes, outros defeitos, outras histórias sejam passadas e contadas. Para isso, o artista precisa estar sempre atento, e com as emoções à flor da pele. Cada sentimento é, no fim, um aprendizado. Um instrumento de trabalho.

E além disso tudo, mudando radicalmente de assunto, verdade seja dita: nenhuma cidade é a Cidade Maravilhosa. São Paulo tem suas inquestionáveis virtudes: a funcionalidade, a quantidade de oportunidades de trabalho e crescimento profissional, uma variedade maior em opções na vida noturna, fato diretamente proporcional ao tamanho da cidade. É a terra do dinheiro, do trabalho, do enriquecimento. Sim, sei disso tudo.
Mas lá não tem os ares daqui. Não tem o som daqui, o cheiro daqui. Lá não tem moças douradas que andam de short e Havaianas a qualquer hora e em qualquer local, não tem caras de bermudão jogando altinha na beira do mar, que é tão bonito de se ver. Não tem gente de fala arrastada, de gíria malandra, de "s" com som de "x". Não tem a conversa mole, a risada fácil. Não tem o Pão de Açucar te dando boas-vindas quando o avião rasga o céu carioca. Não tem as praias que tem aqui. Tem engarrafamento, mas ao contrário daqui, não é com uma vista para a Baía de Guanabara ou a Lagoa Rodrigo de Freitas. Não tem Ipanema. Não tem o samba da Lapa. Não tem o mar da Barra da Tijuca. Não tem mar, at all. Para se chegar nele, é preciso pegar um carro e viajar algumas horinhas. Ele não está ali na sua cara, o tempo todo, para onde quer que você olhe. Lá não tem pessoas que acordam mais cedo para surfar antes do trabalho. Não tem pôres-do-sol na orla depois do trabalho. Não tem Happy Hour em barzinhos à beira mar. Lá não tem, juntos, em um só lugar, o seu local de trabalho e o lugar onde você passa os feriados. Não tem cheiro de maresia. Não tem a mesma vibração, o mesmo tesão, a mesma energia.
E, no fim das contas, o problema não é de lá. O problema é a delícia que é isso aqui. A minha cidade; que é cheia de problemas e defeitos, mas que é minha, e com a qual eu sou como uma mãe com um filho: eu até posso falar mal dela, mas se alguma terceira pessoa ousar critica-la eu viro bicho.
É o meu Rio. Onde eu nasci e cresci. E de onde eu jamais conseguirei me desgarrar totalmente, não importa para onde a vida me leve. Ele está gravado em mim. Na minha fala, no meu andar, no meu coração e na minha pele.
O que de mais confortável entrou nos meus ouvidos nos últimos tempos foi: "-Senhores passageiros, bem vindos ao Rio de Janeiro."

Estou em casa, enfim.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

É possível ter a certeza de que o que é, afinal, é amor, quando afastado - voluntariamente - do objeto amado, ainda se ama. As vezes, apenas sabemos. Sabemos que aquela pessoa é a pessoa pra vida toda, mas não necessariamente esta vai cruzar o seu caminho no momento certo. Pra você ou para ela. Resta, então, esperar. O saber conforta.
Seria mentiroso de minha parte dizer que não dói. Dói saber que o objeto amado leva a vida na ignorância, sem saber que você está ali somente esperando por ele. Somente aguardando o momento em que talvez uma centelha divina o indique que o caminho é, por fim, você. E que os seus caminhos são os mesmos.
Sorte daqueles que têm a sabedoria e a serenidade de se saber afastar. De se saber sumir por uns tempos, andar por aí. Viver. E, se ainda assim, o sentimento persistir... Sim, é amor. E amor é ainda mais belo quando ele existe por si só, sem esperar a recompensa, a resposta. Porque assim ele é puro. Ela, a resposta, virá, mais cedo ou mais tarde. Porque no final das contas, é preciso amar. Muito e sempre. Várias pessoas ou uma só. E perder, e perder de novo, para que o sabor do "ganhar" seja ainda melhor.
A vida, simplesmente, só me faz sentido assim.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Os longos cabelos de Teresa.

Teresa vinha postergando aquele momento por um bom tempo. Pelo menos, pelo máximo que ela era capaz de postergar. Se culpava até hoje de ter ido fazer um preventivo de rotina do seu ginecologista. As vezes, é melhor viver na ignorância. Evita-se o sofrimento. Ou posterga-se, enfim.

Ali, em frente ao espelho do banheiro, um turbilhão de memórias passavam em frente aos seus olhos. Tudo acontecera muito rápido, lhe parecia, desde que aquele papel pesara em suas mãos, como se tivessem uma tonelada, na cadeira do médico. De que maneira ele conseguia falar “câncer” de forma tão natural, ainda que tentasse um certo pesar no tom? Para não se sentir mal, talvez, ou para amenizar o possível impacto que o paciente teria, como quem diz “eu sei o que você está passando.”. – Sabe nada – pensou Teresa! É preciso ter pra saber, isso sim. Como conseguia aquele médico simplesmente encaminhá-la para um oncologista como se ela fosse uma mera candidata a estágio que passava para a próxima fase, sem nem ao menos digerir a anterior. Teresa não lembrava, porém, se havia falado alguma coisa ao médico, ou se simplesmente saíra do consultório, ainda com o papel do exame de uma tonelada nas mãos, sem rumo, sem saber para onde iria primeiro, ou a quem contar. Contou a Cristovão, evidentemente. Esperou o marido chegar em casa do trabalho e estendeu com as mãos trêmulas o fatídico papel para que ele pudesse ler. Há vinte e cinco anos de casamento, Cristovão era seu maior companheiro, sabia que ele a ajudaria a passar por essa fase, embora ela constantemente repetisse pessimistamente, para a irritação de Cristovão, que não acreditava que haveria uma próxima fase para ela. Teresa achava deveras amável as tentativas do marido para encorajá-la, repetindo os velhos argumentos de que a medicina está muito avançada hoje em dia, que os tratamentos são cada vez mais eficazes, que ela havia descoberto a doença logo no início, então tinha mais chances de cura. Amável era, mas pouco eficaz. “É preciso ter um tumor te consumindo por dentro para saber.”, ela repetia, mentalmente. Os amigos também não faltaram; “- Pelo menos é de colo do útero. – disse certa vez Pilar, sua vizinha. - A Elzinha teve de mama, teve que tirar um seio, coitada.”. Será possível que achavam que estavam animando ela assim? Classificando os tipos de câncer em uma tabela, como se fossem times para os quais torcer?

Teresa começara a ter pensamentos estranhos, ali na frente do espelho. “Quem sentirá saudades de mim primeiro? Do que sentirão mais saudades?”. Ouvira falar há muito tempo que a pessoa era acometida por um imenso sentimento de angústia por achar que seu rastro não vai fazer diferença no mundo, antes de morrer. Teresa não queria fazer diferença no mundo. Ela queria fazer diferença na vida das pessoas que amava, somente. Na verdade, não queria morrer, acima de tudo. Não tinha medo, propriamente, da morte. Só não achava que era a hora ainda. Tinha quarenta e cinco anos, se considerava uma jovem ainda. Ia uma vez por semana tomar uma cerveja com os amigos, ainda tinha os peitos empinados, aguentava duas aulas seguidas de spinning.

Não teve filhos. Nunca conseguiu. Agora se arrependia de nunca ter procurado um médico e se empenhado em tratamentos. Era bizarro pensar que um tumor, um minúsculo e corrosivo agente da morte, agora ocupava o lugar que poderia ter gerado uma vida. Porém, não havia mais tempo para arrependimentos. O próximo passo, ali em frente ao espelho do banheiro, era inevitável. Desde que começara a quimoterapia, Teresa sentia um medo sufocador de perder os cabelos. Não se importava com os enjôos e tonteiras causados pelo tratamento, conseguia lidar relativamente bem com eles, inclusive. Mas os cabelos, não. Fora famosa na juventude por eles. Eram longos, lisos, pesados. Tinham uma cor única que vacilava entre o castanho acobreado e o ruivo. E os anos que passaram não fizeram um único fio branco surgir no meio deles. Agora os usava mais em coque, presos para trás, condizendo com a idade. Mas que pena ela tinha, que medo ela tinha, de perder aqueles cabelos...

Mais do que perder os cabelos por si, ela tinha medo de perder Cristovão por perder os cabelos. Poderia parecer uma idéia idiota, mas quem iria questionar? As pessoas têm medo de brigar com doentes. Parece que estão cometendo um incrível erro. Mas a questão é que, desde que se conheceram, Cristovão constantemente falava dos cabelos dela. Elogiava um novo penteado, falava do cheiro bom que eles tinham ao sair do banho. E todas as noites que passaram juntos, durante esses vinte e cinco anos, Teresa se aninhava entre os braços do marido naqueles minutos antes de dormir e ele, delicada e devotamente, rolava seus dedos pelos fios, acarinhando a cabeça da esposa até que ela, finalmente, dormisse. Jamais dormia antes dela. Teresa tremia só de pensar o que Cristovão pensaria quando ela não mais tivesse cabelos por onde ele entrelaçar seus dedos. A deixaria por isso? Não conseguiria segurar a pressão? A abandonaria? Todas essas perguntas pioravam toda vez que seu peito era arrematado pela saudade antecipada que sentiria daquele carinho.

Percebendo que muito tempo se passara desde que começara os devaneios desta vez, Teresa deu uma ultima olhada no espelho, e mirou bem, talvez para nunca mais, o equilíbrio de seu rosto com seus cabelos. Foi a sua vez de percorrer, com seus dedos, os longos fios, do couro cabeludo até suas pontas, uma, duas, três vezes, como se quisesse guardar no tato, nas pontas das extremidades dos dedos, a sensação que aquele simples ato conferia. Secou a única lagrima que caiu do olho esquerdo. Única, não era de chorar. E então pegou a tesoura na ponta da pia. Com muita dor, como se de fato pudesse sentir as lâminas, deu o primeiro corte. O primeiro tufo, bastante volumoso, caiu sobre a pia. Teresa não teve coragem de olhar para o cabelo caído; preferia, de qualquer forma, continuar focando o espelho, que agora revelava o desequilíbrio do corte. Pegou outro grande chumaço com a mão e cortou fora. Fez isso repetidas vezes, sempre com muito pesar, até que todo seu cabelo ficasse na altura dos olhos. Se aquela imagem já era chocante para Teresa, não conseguia imaginar a que viria em seguida. Sem desgrudar os olhos do espelho, para não olhar o cabelo caído por toda a extensão da pia, localizou com as mãos a máquina. Ligou-a, e nunca pensou que aquele barulho daquela maquina que ouvia todas as manhãs quando Cristovão fazia a barba pudesse ser tão perturbador. Respirando fundo uma única vez, ela encostou a máquina na cabeça e deu um puxão para trás. Dessa vez era demais, não poderia ficar assistindo sua própria decadência, então fechou os olhos forçadamente, não só para não ver, mas também para não permitir que as lágrimas saíssem. Como se quisesse acabar logo com aquilo, fez o mais rápido que pode, nem sabe quantas vezes. Sentiu que não havia mais o que raspar, e largou a máquina. Não abriu ainda os olhos. Devagar, levantou os braços e levou as mãos a cabeça, tocando-a tão vagarosa e delicadamente como se fosse um cristal que pudesse quebrar com o toque. Não era cuidado, ela sabia, era medo da sensação. A estranheza foi diferente do que ela calculou que seria. Talvez fosse o velho ditado de que “o que os olhos não vêem o coração não sente.”. Era como se estivesse tocando outra cabeça, de outra pessoa, que não a dela. Mas sabia que não era suficiente. Por dentro sabia, era uma mulher adulta, madura. Tinha que abrir os olhos. Já estava feito, não tinha volta.

Abriu os olhos. Por alguns segundos, sua respiração parou. Por alguns segundos, o mundo inteiro parou. Não era choque, não era tristeza. Não era raiva que ela sentia. Surpreendentemente, o que Teresa sentia era saudade. E não as saudades antecipadas de antes, dos dedos carinhosos do marido nos cabelos que não tinha mais. Era mais. Era saudade de toda uma vida que ela sabia que tinha se esvaído junto com aquelas centenas de fios. Era o simples andar na rua que não mais existiria sem que as pessoas a encarassem com aquele olhar de “você está doente, coitada.”. Era o prazer de se arrumar para uma festa que não mais existiria, pois nenhum lenço tão bonito ou elegante como seus cabelos antes eram. Era a brisa de verão fresquinha que sentia balançar suas madeixas, refrescando do calor. Era a mania de toda hora ficar fazendo e desfazendo um rabo de cavalo improvisado. E como não poderia deixar de voltar, era ele. Era a saudade do carinho de Cristovão. Eram seus dedos que nunca mais iriam carinhar sua cabeça. Ele não ia querer nem mesmo tocar naquela cabeça, teria nojo, teria ojeriza. Teresa ia morrer, já sabia. Diante de tudo isso, não ia nem mesmo ter a vontade de procurar as forças para continuar vivendo.

Foi no meio desse pensamento que Cristovão abriu a porta do banheiro. Teresa não ouvira, de tão absorta que estava entre seus pensamentos, mas há alguns minutos o marido batia na porta, chamando por ela, perguntando o que estava acontecendo. Preocupado com a falta de resposta, ele finalmente conseguiu escancarar a porta, para tão somente olhar aquela cena. Pela primeira vez naquela tarde, Teresa desgrudou os olhos do espelho, e olhou para ele. Pela primeira vez na vida ela se deixou chorar. E as lágrimas caiam involuntariamente, como se ela não tivesse nenhum controle sobre aquilo. Apreensiva, Teresa não falou nada. Implorava secretamente por um sinal de apoio, mas já estava convencida a aceitar se ele a quisesse abandonar. O amava muito para forçá-lo a passar por aquilo junto com ela.

Cristovão percorreu o olhar pela pia, e viu os vários tufos de cabelo, de diferentes tamanhos, espalhados. Olhou, então, para a mulher. Nunca a vira daquele jeito, era de se admitir. Não somente careca, mas chorando compulsivamente. Mas ele a amava tanto! Sabia que a amava, mas ao vê-la assim, tomou conta de seu peito um daqueles momentos em que o ser humano tem certeza daquilo que ele já sabe, de alguma forma. Percebeu que não tinha expressado nenhuma feição em seu rosto que confortara a mulher, pois ela continuava parada, nervosa, esperando que ele desse as costas e saísse. Mas ele não virou de costas. Ao invés disso, ele caminhou até ela, passo a passo. Chegou tão perto dela a ponto de sentir o cheiro fresco da lavanda pós banho que ela usava desde que se casaram, e em cujo aroma ele era incalculavelmente viciado. Levantou os dedos e secou as lágrimas que caiam do rosto da esposa. Beijou sua testa. E sem falar nada, pegou-a no colo, como os noivos fazem. Ainda silenciosamente, levou-a até a cama e deitou-a. o choro de Teresa tinha cessado para dar lugar a uma promessa de sensação de alivio, que ainda não tinha se concretizado porque, dentro dela, sabia que ainda tinha mais por vir. E então, Cristovão deitou ao seu lado, puxou-a pelos braços com cuidado e a aninhou em seus braços. E inesperadamente, começou a fazer carinho na cabeça de Teresa. Ela olhou assustada para ele! Não sentira repugno?

E como se nada tivesse acontecido, ele continuou a deslizar seus dedos amavelmente pela cabeça dela, como se não fizesse diferença a falta de cabelos ali. Assim ficou por algum bom tempo, incansavelmente, porque naquela noite Teresa custou a dormir. A sensação de conforto que aquele simples ato de amor foi capaz de lhe proporcionar foi o suficiente para que ela percebesse que talvez a próxima fase viesse, que talvez tivesse sim vontade de procurar forças para lutar. E que talvez as saudades antecipadas que sentira daquele carinho não fizessem sentido, pois na verdade, o amor da sua vida acabara de provar que não havia nem a mais remota promessa de espaço para elas.

terça-feira, 31 de março de 2009

"Eu ando sempre pra sentir vontade."

Na primeira vez que a ouvi, no rádio, há alguns meses, de cara essa música me encantou. Era a boa e velha poesia de Marcelo Camelo, da qual tantos fãs, órfãos de Los Hermanos, são constantemente saudosos. Meu espanto veio quando a parte de Camelo acabou e a voz que entrou não me era estranha, mas eu não sabia localiza-la nos cantos recônditos da minha mente. Depois reconheci. Era aquela menina que cantava “If you come over I will say thubaruba...”, que teve mais de um milhão de acessos no My Space... Mas qual era o nome dela mesmo?
Mallu Magalhães, como o locutor me elucidou depois.

Chegando em casa fiz o download, e desde então a ouço sempre. Acho bonita, cheia de propriedade e, acima de tudo, com uma profundidade e um pesar enormes. E a tristeza, assim como a alegria, pode ser belíssima. Por estes motivos, desde que ela entrou por meus ouvidos e em minha vida, me questiono o por quê de seu nome ser “Janta”. Essa palavra, nem nenhuma correlata, aparece vez alguma na letra. Como artista único que é, Camelo bota a galera pra pensar. Talvez por isso cada um tenha uma explicação ou teoria particular. Eu tenho a minha.

“Janta” fala de despedida, de adeus, de abdicar de algo e deixar nas mãos da Vida. Fala da dualidade que, volta e meia, corrói todos nós: a vontade versus a temperança. O “querer” versus o “dever”. E quando não há realmente saída, quando a encruzilhada se forma diante dos olhos, só resta entregar a algo fora de nós, talvez maior, talvez mais etéreo, o nosso próprio destino. Mas ao fazermos isso, ao entregarmos nossa Sorte à Vida, a Deus ou ao que quer que seja, ao nos reservarmos do poder de decidir o que virá, temos, aí, uma gota de esperança. Talvez esse “infinito” possa nos trazer respostas que não conhecemos, possa nos levar a lugares novos e bons, possa escolher para nós uma sina melhor, mais feliz. Assim, consentimos. E a música retrata exatamente esse depósito de esperança no destino, diante da impossibilidade de continuar-se da maneira que está.
Janta, no sentido literal, é isso. O jantar é, através da história, um momento de celebração e, muitas vezes, de despedida. Almoços de casamento ou de aniversário não são tão elegantes, ou têm tanto significado subjetivo, quanto jantares de casamento ou de aniversário. Na Bíblia, a última refeição não foi o café-da-manhã.
A janta tem angústia. Tem ares de finalidade. É na hora do jantar que nos recolhemos para um fim, e a esperança de um começo. O fim de mais um dia. E o começo de um outro, no seguinte. Se ele virá, não sabemos. Esperamos, somente.


Mas de que vale a minha opinião? Eis o poeta, em sua melhor forma:

JANTA
(Marcelo Camelo e Mallu Magalhães)

Eu quis te conhecer
Mas, tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o “não dá”...
Pode ser cruel a eternidade
Eu ando em frente por sentir vontade.

Eu quis te convencer
Mas, chega de insistir
Caberá ao nosso amor o que há de vir...
Pode ser a eternidade má
Caminho em frente pra sentir saudade.

Paper clips and crayons in my bed
Everybody thinks I am sad
I take a ride in melodies and bees and birds
Will hear my words
Will be both us, and you, and them… together.
‘Cause I can forget about myself
Trying to be everybody else
I feel alright then we can go away
And please my day…
I’ll let you stay with me if you surrender.

Eu quis te conhecer
Mas, tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o “não dá”...
Pode ser a eternidade má
Eu ando sempre pra sentir vontade.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Tapa na cara.

Me preocupa o fuzuê que Ele Não Está Tão A Fim De Você (He’s Just Not That Into You, de Ken Kwapis, EUA 2009) tem causado, principalmente junto ao público feminino. Baseado em um Best Seller americano - nada mais do que um livro de auto-ajuda que promete às mulheres o tão esperado entendimento do comportamento masculino - o mesmo chegou aos cinemas com um time de estrelas de primeira grandeza da Hollywood atual, o que, junto com a narrativa melosa e engraçadinha, garante o sucesso de bilheteria. Jennifer Aniston, Ben Affleck, Drew Barrymore, Jennifer Connelly, Scarlett Johansson e a simpática Ginnifer Goodwin, entre outros, têm suas histórias de vida cruzadas, nas aventuras e desventuras de relacionamentos amorosos.
Tendo alguma noção sobre o assunto, uma vez que não passei os últimos quatro anos de minha vida estudando cálculos matemáticos ou fórmulas químicas, posso dizer com uma certa autoridade: Mulheres do meu Brasil, acalmem-se. Isso é SÓ um filme.
Filmes são filmes. Até os que recontam histórias verídicas continuam, indefinidamente, sendo filmes. São obras ficcionais, com fórmulas e facetas narrativas e visuais previamente pensadas para alcançarem um ou outro público, uma ou outra reação. E pra conseguir dinheiro, é claro. Afinal, Cinema, além de arte, é indústria e comércio também. Os personagens, por sua vez, não são pessoas reais. Em um roteiro, eles são construídos de forma que adotem arquétipos bastante específicos, e possam ser mais naturalmente apontados pelo público com personalidades fechadas e peculiares. Já disse isso aqui mesmo no blog, e repito: as pessoas, na vida real, são muito mais complexas do que isso.
Ele Não Está Tão A Fim De Você é pautado em explicações de por quê os homens fazem o que fazem. Porém, embora tudo acabe bem, uma vez que é uma comédia-romântica americana, ele se baseia em afirmações que podem ser interpretadas quase como uma Constituição pelas mentes mais desavisadas. Tudo bem que certas coisas não precisam de muita indagação: Se o cara não te liga é porque, realmente, ele não está a fim de te ligar. Se ele quiser te ligar, quiser te ver, te encontrar, ele vai dar um jeito. Não tem essa de trabalho demais, viagens a negócios aqui, compromissos profissionais ali. Muito menos a ladainha de “não estar pronto para um relacionamento sério” ou “estar com medo de se envolver.”. Sou uma pessoa que tem muitos amigos homens, e de algumas coisas eu simplesmente sei. Em primeiro lugar, homens não pensam como mulheres. Em segundo lugar, quando o cara está realmente a fim da mulher, ele faz acontecer. O tal do orgulho pode até retardar um pouco o processo, mas não o elimina de vez. A grande questão é que não é necessário um livro, ou muito menos um filme, para nos dizer isso. A vida se encarrega de nos ensinar. Se você que está lendo esse texto é mulher e ainda insiste em discutir com isso tudo, você só está se enganando e, mais cedo ou mais tarde, com um ou mil tapas da vida na cara, você vai aprender.
Porém, quando se trata de amor, carinho, paixão ou o nome que for, não existe lógica. Não se trata de aritmética, física quântica, ou muito menos um processo legal, no qual os argumentos são objetivos, retos, racionais. Em matérias do coração, muitas vezes a racionalidade vai por água abaixo, pois como amor não se explica, é comum termos que decidir pautado simplesmente no que sentimos. É subjetivo, irracional, conturbado. O que faz uma pessoa feliz é diferente do que faz a outra, e assim vai. Por isso, não comprem todas as idéias que o filme vende. Encarem-no como uma leve diversão, exatamente o que ele tem que ser – e é. Não pensem que ali estão grandes lições de vida, os segredos da alma masculina e, menos ainda, as regras e as exceções a elas. Não há exceções, simplesmente porque não há regras. O que vale, no fim das contas, é arriscar. E não perder as esperanças ou se deprimir com fórmulas pré-estabelecidas.

Mas ainda assim, não esperem plantadas ao lado do telefone, ou confiram suas caixas de e-mails várias vezes por dia se ele não te procurou. Partam pra outra se o cara começar a dar desculpas demais. Não há nada mais deprimente do que uma mulher que insiste em mentir pra si mesma.

No fim do dia, você vai perceber. Ele não está tão a fim de você.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Minha alma canta...

O carioca de verdade, nascido e criado, ou como a expressão popular qualifica, "carioca da gema", morre de amores por essa cidade que, não a toa, é chamada de Maravilhosa. Chega a ser irritante e metido. O carioca gosta de ter a pele bronzeada, de falar arrastado e forçar o "s" com som de "x" quando está perto dos não-cariocas (porque pra nós, quem não é daqui é simplesmente não-carioca), se gaba por poder assistir o pôr-do-sol na praia - em qualquer praia - quando ele tiver vontade, sabe o gosto exato que tem o mate de latão com suco de limão, conhece de cor o roteiro dos bares da Zona Sul e a rota dos sambas da Lapa, e já até enjoou de biscoito Globo. Só o carioca consegue ouvir uma música de Tom Jobim, como Corcovado e Samba do Avião, e pensar "eu sei exatamente do que este cara tá falando...".
Além disso tudo, o carioca de verdade conhece e lamenta todos os problemas do Rio. Sabe que a favelização enfeia o que Deus parece ter pintado a mão. Sabe que a violência e o tráfico são um câncer quase em estado terminal. Sabe que se sair de carro as 7h da manhã ou as 17h da tarde vai demorar pelo menos duas horas pra chegar em casa, com o trânsito infernal que tem se instalado diariamente por aqui. Particularmente, trânsito me irrita de uma forma avassaladora, embora eu saiba que o problema aqui não chegue nem perto de outras capitais. Mas voltando para casa dia desses eu me deparei com um enorme no Aterro do Flamengo. Comecei a me irritar, a fumar cigarros seguidos, a trocar freneticamente a música que tocava, a xingar todas as pessoas do mundo...e parei. Parei porque olhei pro lado e o que eu vi foi mais ou menos o que as pessoas que atingem o Nirvana na meditação devem sentir. O que vi foi o Pão de Açucar banhado por luzes do fim de tarde, conferindo-lhe cores únicas. Ao redor dele, a Enseada de Botafogo cheia de barquinhos que parecem de brinquedo. E para coroar, um belo pôr-do-sol que, tenho certeza, estava ali só pra me dizer que se eu tiver um pingo de vergonha na cara eu tiro toda a irritação de dentro de mim. Afinal, olha só onde eu moro!

quarta-feira, 25 de março de 2009

Eu te odeio. Odeio tudo que vem de você. Odeio sua inconstância, suas mentiras, e a mentira que eu criei sobre você. Odeio sua falta de senso, de sensibilidade, sua indiferença. Odeio as palavras que você falou e eu acreditei. Odeio o som da sua voz tão perto e tão distante. Odeio a distância que você implantou, mais ninguém. Nem Deus, nem o Homem. Você.
Odeio os últimos tempos que passei aos pés da fantasia idílica da sua presença. Odeio as memórias, odeio os momentos. Odeio como você se comporta. Odeio o fato de que você não conseguiria nem em mil anos distinguir a ridícula diferença entre Hitchcock e Bertolucci. Odeio sua falta de interesse, sua falta de hombridade. Odeio as brincadeiras infantis que você fez. Odeio você ter cogitado a possibilidade de alguém ser melhor pra você, e odeio você ter comprado essa idéia. Odeio pensar que eu escrevo textos e leio poesias enquanto você liga para outro alguém, que não eu. Te odeio por ter me feito de idiota, boba, ridícula. Te odeio por ter bagunçado a minha vida, virado tudo de cabeça pra baixo. Te odeio por ter despertado em mim um sentimento que estava enterrado há tanto tempo, e que não precisava ressurgir agora. Te odeio, pois, por ter saído da minha vida como se nada tivesse ocorrido, nada tivesse falado, nada tivesse sido existido.

Te odeio muito, todos os dias.
E isso tudo porque, na verdade, eu te adoro demais. E por eu ter que gostar mais de mim, e por não poder mais gostar de você, eu te odeio. E preciso repetir todos os dias para mim mesma que te odeio. Odeio, odeio, odeio.

E ter que te odiar é, por fim, a máxima exaustão que eu já vivi.

terça-feira, 10 de março de 2009

Não leia esse post. Desligue a internet e vá dar uma espiadinha.

Todo início de ano é a mesma coisa. Somos bombardeados por anúncios que avisam, como se não perdêssemos por esperar, que a casa mais vigiada do Brasil está de volta. Eu realmente não espero, e juro que até esqueço que o Big Brother existe. E sempre clamo pelos quatro cantos que não vou assistir. Perda de tempo, futilidade.
Mentira.
Eu sempre acabo assistindo.

Continuo achando perda de tempo e futilidade, muito embora seja tiete do Bial e sei que, pelo menos dali, sai alguma coisa útil. Em sua nona edição, os participantes são exatamente os mesmos de todas as outras: O canalha, a gostosa, o estrategista, a burrinha, o injustiçado. Estereotipadas, essas personagens vão se configurando com ajuda bastante solícita de uma edição bem pensada. Com isso em mente, percebe-se uma vontade enorme por parte da direção de inovar, divertir de forma diferente, chocar. E milhares de cartas são tiradas da manga e enfiadas dentro do confinamento. Quarto branco, dois paredões em uma semana, xepa, casa de vidro, voto aberto. Até uma vovó simpática inventaram dessa vez.

O que me atrai no Big Brother, porém, é muito mais grave. Confesso de cara limpa, pois tenho certeza que muitos espectadores pensam da mesma maneira, embora não o falem, ou nem mesmo realizem este fato. Justamente pela construção de estereótipos e arquétipos maximizados (aqui sem absolutamente nenhuma relação com um dos integrantes da casa.) de alguma forma nos relacionamos interiormente com aquelas pessoas. Nos colocamos em seus lugares, nos vemos naquelas situações. E, porque eles invadem deliberadamente nossas casas todos os dias, nos sentimos íntimos e no direito de julgarmos suas atitudes, noções de justiça, casos, discussões, comportamentos, até mesmo forma física. “Fulana engordou tanto...”. Será que nós mesmos não engordaríamos? Não combinaríamos voto? Não entenderíamos mal algum fato? Não pré-julgaríamos de maneira errônea? Não encheríamos a cara e dançaríamos até o chão? Não iríamos pra debaixo do edredon? Não teríamos aquela pessoa com a qual simplesmente não vamos com a cara e faríamos de tudo para vê-la fora dali?
Dentro de nós há o diabinho que diz: “antes ele do que eu...”.

O problema é, ao enxergarmos ali personagens, e não pessoas, esquecemos que elas são como nós e, por isso, são passíveis de erros, acertos, e um bocado de bebedeiras. Só que as deles são regadas a Champagne.

Em jogo, não está fama. Ninguém fica realmente famoso por muito tempo depois do Big Brother (com exceção da Grazi, talvez.). Ok, em jogo está uma capa da Playboy ali, uma visita na Ana Maria Braga e no Faustão aqui, quando muito uma meia dúzia de propagandas acolá. Mas, acima de tudo, em jogo está um milhão de reais. E é nisso que penso toda vez que aponto o dedo pra condenar algum dos participantes.

Mas condeno, mesmo assim.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Entre clichês e saudades.

Uma das frases mais clichês e usadas no Orkut (não gosto do termo “site de relacionamentos...Orkut é Orkut, é besteira mesmo.), é aquela que diz que “quem inventou a distância nunca sentiu saudade.”. E eu sou naturalmente inclinada a um bom clichê, principal e estritamente quando bem colocado.

A saudade é, ela mesma, um assunto que ronda muito do que penso e escrevo. A parte boa dela, inclusive. Porque é gostoso sentir saudades do bichinho de infância que morreu, saudades dos tempos de colégio, saudades daquele amigo que você perdeu o contato pela vida. Saudades de uma festa, de um aniversário, do primeiro beijo, de um presente de natal. Um dos textos que mais gosto sobre saudade é um do Miguel Falabela, que diz que saudade é não saber. Não saber dele, ou dela, e ainda assim doer. É lindo. Google Falabela. É certo!

Mas a saudade que de fato incomoda no peito é a saudade de uma paixão, porque ela acontece, na grande maioria das vezes, quando o fogo de uma das partes apagou, ou diminuiu a chama. E ao outro, só resta a saudade. Não é uma saudade gostosa. É uma saudade que angustia, que dói. É a saudade do sentimento como ele era no início, do tanto de coisas que não chegaram a acontecer e que, mesmo assim, deixaram saudades. É a saudade que sinto agora.

Saudade de quando brincava de princesa, de quando brincava de futuro. De gostar de acreditar em meias palavras, em migalhas de atenção. De botar toda a fé existente em meu coração em algo que em si contradizia todas as regras do famoso “pode dar certo”... mas pra mim dava, fazer o que? Saudades de ter o poder de transformar a distância em somente um número, um coeficiente, uma análise física. Porque no final das contas a distância tem, sim, o excruciante poder de separar dois corpos, mas ela é ínfima na tarefa de separar duas almas. O poeta já dizia: “Eu sei, e você sabe, que a distância não existe.”. Alguem vai discutir com Tom Jobim?

Saudades, também, de me fazer rir com os amigos mais próximos, incrédulos como eu na ironia da minha própria vida, pois me conhecem até mais do que eu mesma. Da impertinência que foi começar tudo como uma brincadeira que tinha data e hora para acabar, mas não acabou. Não era brincadeira de criança, afinal. Um dia, eu acordei...e tudo que eu conseguia pensar era nele. Em todas as horas do dia, em todos os acontecimentos rotineiros. Tudo que eu queria era ouvir a voz, ainda que no telefone. E quando eu percebi que ele era a primeira coisa que eu via de manhã e a última na qual eu pensava ao ir dormir, percebi que não era brincadeira mesmo. Era sério. E, pra mim, bastava.
Era pra sempre.
Saudades de sentir isso tudo, também.

Saudades, ainda, de não ter vivido um monte de coisas boas, de tão rápido que foi. Outro clichê diz que “tudo que é bom passa rápido, mas demora o tempo suficiente para ser inesquecível.”. Concordo com esse, também. Saudade de não ter tido tempo de dançar juntinho aquela que seria, depois, considerada a nossa música. Não ter engatado naquela conversa que invade horas do dia. Não tê-lo levado pra conhecer meus lugares preferidos, para provar o sorvete que eu mais gosto, para ver o pôr-do-sol naquele lugar que só eu conheço. Não ter dito tudo que queria dizer quando ele estava ali, olhando nos meus olhos... nos lugares mais inadequados, pouco propícios ao romantismo, mas ainda assim, ali. E não ter dito não por medo ou receio, mas por não saber absolutamente o que dizer. Em parte porque olhar nos olhos dele é muito melhor e mais bonito do que qualquer poesia, e em parte porque o turbilhão de sensações que entupia minha cabeça e atravessava como flecha a minha pele era tão grande que eu mal conseguia organizar as idéias em minha cabeça.

A saudade, enfim, me faz acreditar em clichês. E citá-los. Porque ela mesma é um clichê ridículo, mal resolvido e estúpido. É um bloqueio, uma interrupção do que quer que seja, tendo interrompido algo ou não. É sentir falta do ponto alto da festa, do mais doce da vida, do sabor mais idílico que se pode experimentar. É a incapacidade de concluir o que se pretende dizer.

Por isso, paro por aqui. Não faço falsas demagogias.
Minha saudade é grande demais, e tem discernimento de menos, para que eu possa concluir qualquer idéia.
Uma crônica, menos ainda.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Eternamente uma tarde de sábado.

Todos os sábados as quatro sabia-se ali. Tempo e compromissos eram meras palavras sem significado relevante. Clima tampouco. Quase devotamente, nos fins de tarde de todos os finais da semana Luiza sentava-se em um banco na praia e olhava. Olhava o mar? Olhava o céu? Olhava a gente que deixava vagarosamente a areia? Podia ser. Sem critérios, Luiza olhava tudo. Não possuía preferências não por falta de propósito, mas por considerar tudo igualmente importante. Ou desimportante, dependia do estado de espírito. Assim ela prestava igual atenção no movimento ao mesmo tempo contínuo e mutante das ondas do mar; no barulho que elas faziam, que parecia continuar em seus ouvidos durante o resto do dia, acompanhando-a por qualquer canto. Atentava aos ambulantes que vendiam de tudo, de biscoito a óleos bronzeadores, de limonada a caipirinha, e também pipas, e óculos escuros, e cordões, e brinquedos. Luiza não refletia sobre a vida deles e nem dos aleatórios que iam à praia sozinhos, em pares românticos, em grupos de amigos, em família...estava somente interessada em olhar o momento presente das vidas de cada um deles. Tinha um quê culpado do deleite dos voyers. Talvez mais do que tudo, Luiza gostava era de olhar o breve, fugaz e estonteante momento em que o sol, ao se pôr, toca a tênue linha do horizonte que o mar se divide do céu, e o fim de tarde que até então tinha muitas cores dizia adeus ao carnaval do dia para se dedicar ao azul marinho que avisa que a noite chega, para em pouco tempo ceder lugar ao império do infinito negro. Cores. “Que belo pintor deve ser Deus”, ela pensava, todas as vezes que os rosas e amarelos e laranjas invadiam os vários tons de azul que se apresentam nos dias (de sorte) em que o céu está limpo de nuvens. Não que Luiza não gostasse do céu da noite quando, também em dias de sorte, ficava salpicado de pequeníssimos pontos prateados que eram, para ela, mais do que somente estrelas. Eram memórias, também. Seu avó, quando vivo, costumava niná-la a noite dizendo que, quando as pessoas morriam, viravam estrelas e iam brilhar pra sempre lá no céu, olhando para e pelos mortais aqui debaixo. Mas havia algo no céu do final da tarde que a encantava inexplicavelmente. Talvez fosse a sensação do término de mais um dia, a analogia deveras natural com a finitude da vida. Talvez, mas não certamente. Luiza se permitia deixar levar pela paixão das tardes de sábado, sem se questionar. Olhar, só.

Sim, tinha um quê culpado do deleite dos voyers, aquela Luiza. Aos dezoito, alimentava-se desse prazer desde os quatorze, quando ganhou sua primeira máquina fotográfica só dela. Não mais tinha que pedir emprestada a da mãe. Agora tinha autonomia do uso, tinha posse. Aos quatorze, era importante para a filha de pais separados, que cresceu assistindo a preferência de ambos pelo irmão, ter essa posse besta. E foi no primeiro da série de sábados sentada naquele banco que ela clicou pela primeira vez a tarde. Ainda que não estivesse registrado em imagem, ela lembraria da cena: era a foto de um vendedor de milho cozido que arrastava o seu carrinho, com o sol se pondo em segundo plano. O sol tocava, provocando cores igualmente belas, a pele do homem, a areia e o mar. Quase com a obrigação de um trabalho, mais de cento e oitenta sábados fotografados depois, continuava ela. Obviamente, despertou a curiosidade - da mãe, do irmão e do padrasto, que reparavam as constantes saídas com as quais não podiam argumentar, dos amigos, que só podiam marcar os programas para depois do pôr do sol, e dos vendedores cativos dos comércios na orla, que reparavam na menina-da-maquina que não largava dali. Quando questionada o motivo daquilo, Luiza somente dizia “- É pra evitar as saudades.”. Saudades de que? “Ué, saudades de tudo. Desse tudo que consigo captar e guardar pra sempre no espaço de um clique.”. Mas não eram somente pessoas desimportantes, indignas de seu conhecimento mais profundo? Não eram tardes e mais tardes que se repetiam? “Cada tarde é diferente. Num sábado tem sol e céu limpo, já n’outro algumas nuvens aparecem e são perfuradas pelo sol, que é mais forte, deixando escapar alguns poucos raios. Em alguns, não se vê nada do sol, e o branco nublado se impõe, pesado, soberano. Mas gosto também quando o céu está cinza e chove, e a impressão que dá é que aqueles milhões de pingos de chuva sobre o mar é que estão enchendo ele.”. Tinha lá suas teorias, a Luiza. Não fazia questão que ninguém entendesse. Eram dela, só pra ela foram criadas. Para Luíza, uma vez que estamos fadados a ver o tempo passar sem termos nenhum poder efetivo sobre ele, aceitando a condição de que os momentos passam e jamais voltam, nos são descarada e irremediavelmente furtados, estamos fadados, por conseqüência, a sentir saudade. E sentir sem ter motivo especial, sem carecer de datas importantes ou ocasiões memoráveis. Cada tarde de sábado que passa é uma tarde da vida que foi, e a saudade que a garota sentia era justamente dessa vida. Do que fez, do que poderia ter feito. Saudade do que iria fazer também, pois viveria uma vez só, do jeito que era. Talvez Luiza criasse explicações sem sentido para cessar com as perguntas. Não se discute a saudade alheia, afinal.

Naquele segundo sábado de setembro, porém, sentiria, talvez, a culpa do quê culpado do deleite dos voyers. Tinha acabado de clicar uma cena de um bebê com não mais de dois anos, dentro de uma piscininha de plástico com desenhos de peixinhos – “Original”, ela ironizou para si – que gargalhava a gargalhada gostosa dos nenéns ao espirrar a água da piscininha para todos os lados, num movimento repetido de levantar e se jogar de volta, sob o olhar orgulhoso da mãe, que como toda mãe, sorri cheia de si com qualquer bobagem da cria. Luiza colocou a tampinha na lente e guardou a maquina na bolsa. Levantou-se do banco e encaminhou-se para o sinal de trânsito, para atravessá-lo e pegar o ônibus de volta para casa na outra pista. Absorta em pensamentos egoístas, Luiza olhou rapidamente e julgou que não vinha nenhum carro. Mas aquela tarde estava fadada a não ser mais uma para a coleção. Luiza via tudo, só não viu aquela moto. Tampouco ouviu a buzina. Depois dali, Luiza não ouviu mais nada. Colada em suas pálpebras, ainda estava o sorriso do neném, e provavelmente foi essa imagem que ela quis guardar quando, sem se enganar, sabia que fechava os olhos pela ultima vez. Luiza, que via tudo, já não podia mais ver nada. Não pôde ver a multidão de transeuntes curiosos que por ali se aglomeravam, nem o motoqueiro que tentava desesperadamente explicar para os bombeiros que a menina tinha atravessado o sinal aberto, nem seus pais, depois de tantos anos lado a lado, chegando na trágica cena. Talvez, se viva, Luiza quisesse fotografar aquela cena. Mas a cota de cliques tinha cessado para ela.

Coladas nas paredes do seu quarto, as dezenas e mais dezenas de comprovações do delicioso deleite, não mais culpado, não mais nada, da voyer. Naquelas fotos, porém, não se viam mais praianos, comerciantes, mar, sol, céu. Naquelas fotos, via-se Luiza, e a saudade que ela sentiu, e deixou. Seu olhar estava em cada registro, em cada segundo que ficou. Como são tolos os que acham que podem prender um momento sem que haja conseqüências! Nesse caso, a conseqüência foi a saudade. E a causa também. Saudade era o que havia para ser captado, e foi o que ficou para ser sentido.


E como eram belas as cores da saudade.