sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Faixa de Gaza é aqui.

O Rio de Janeiro continua lindo... continua sendo... aquele abraço pra galera de Realengo. Continua sendo a sede dos Jogos Olímpicos de 2016... continua com estonteantes praias... belas paisagens... quando Deus o desenhou, ele estava namorando. Sou sempre a primeira a defender a minha cidade, compro briga mesmo, e não me canso de exaltar essas tais belezes que, simplesmente ao olha-las, nos faz ter a mais plena certeza de que Deus existe. Mas uma foto no jornal O Globo desses dias me chocou: em algum lugar da Zona Norte da cidade, o corpo de um homem jazia dentro de um carrinho de supermercado, no meio da rua, enquanto transeuntes por ali passavam como se nada estivesse acontecendo. Olha, acontecendo estava... tinha um homem morto ali a menos de um metro deles. Isto já seria macabro o suficiente, mas o problema é maior do que a morte em si. O problema é que essas mortes se tornaram normais, e passamos por elas com a mesma naturalidade que passamos pelas belezas cariocas. O belo e o horroroso, o sublime e o medonho, o mágico e o real amargo convivem ali, lado a lado, todos os dias.

No último feriado estive em São Paulo, e durante uma conversa em uma mesa, um homem que havia acabado de conhecer me perguntou como estava o Rio. É sempre assim, quando eu saio daqui, e sempre respondo de bom grado, cheia de orgulho, o mais clichê "continua lindo...". Daí ele emendou com outra pergunta: "e a violência, como está?". Sempre achei uma sacanagem o que fazem com o Rio, pois fora daqui, tudo que se vende é que no Rio de Janeiro só há violência, que as pessoas andam amedrontadas na rua, que são assaltadas todos os dias e, principalmente, que balas perdidas acontecem em todos os bairros, em todos os momentos. Sempre fiquei bastante irritada com isso tudo, pois nunca me aconteceu nada aqui, diferente de outros lugares. Sempre enxerguei o Rio de Janeiro como o meu lugar, o local que me acolhe, onde eu me sinto em casa, onde eu me sinto melhor. Sempre, até dia desses.

A beleza é ofuscada quando, em dois dias, mais de vinte pessoas morrem em confrontos de traficantes de morros rivais, que conseguiram arquitetar, armar e executar uma verdadeira guerra civil em plena Cidade Maravilhosa. Mais do que me entristece, isso me revolta. Quanto mais teremos que esperar, quantas pessoas mais terão que morrer, quantos crimes hediondos a mais terão que acontecer para percebermos que essa situação já fugiu do controle dos cidadãos e das autoridades? Por falar nelas... onde estão as autoridades? Temos uma polícia corrupta, que compactua com esses mesmos bandidos, e um Governo Federal INCOMPETENTE que está mais interessado em fazer campanha política das obras de transposição do rio São Francisco quando, na verdade, era com outro Rio que deveria se preocupar. Não temos mais em quem confiar, a não ser em nós mesmos, e na esperteza de não frequentar tais lugares depois de certos horários, de saber por onde andar, e etc. Não que isso não aconteça em mais vários outros lugares, do Brasil inclusive. Não venham me dizer que é só no Rio! A diferença é que, ao contrário de outras cidades, em que as periferias são distantes dos grandes centros e, assim, a pobreza está distante dos olhos e do coração, no Rio de Janeiro ela está ali, dividindo espaço com os cartões postais. Está no menino que joga bolinhas no sinal, nas famílias de bem que moram em favelas, convivem com o medo diariamente cara a cara e perdem entes queridos e batalhas com as quais elas não tem nada a ver.

Este foi somente um desabafo, de quem já se cansou de não ver nada acontecer, de ter os próprios governantes - aqueles que eu, e você, ajudamos a colocar lá onde estão - e a parte corrupta da polícia ajudar a destruir uma cidade que, sem toda essa confusão seria, sim, perfeita. Porque a beleza é perfeita, o povo é perfeito, o clima é perfeito. Mas não dá mais pra conviver com a supremacia de bandidos que são muito mais organizados e competentes do que os orgãos responsáveis por nos proteger, e por acabar com eles. Não quero esperar até 2016 para ver o exército nas ruas garantindo a segurança dos Jogos e saber, com as mais absolutas convicção e certeza, de que posso andar livremente, por todo e qualquer lugar, em qualquer horário, sem que nada me aconteça.
O Rio de Janeiro só terá jeito quando cada um de nós, cidadãos que amam a cidade, enxergarem que nada disso é normal. Pode ser comum, infelizmente, mas não é normal. NÃO PODE ser normal.

Que a memória de Tim Lopes nunca se apague, assim como a das pessoas de bem que perderam suas vidas nos recentes conflitos em Vila Isabel.