domingo, 23 de janeiro de 2011

(Contra)tempos verbais.

Sinto que estou sempre recomeçando. Perdoando, esquecendo, superando e, enfim, seguindo em frente. Pensando em você, sentindo saudades de tudo aquilo que a gente não viveu. Querendo mais, querendo voltar, querendo tudo, querendo sempre. Vivendo na angústia de passar os dias sem você ao meu lado, corroendo a alma por saber que você está com outra pessoa. Relembrando nossa história, lamentando os erros, revendo os acertos. Lembrando seu cheiro, sentindo seu abraço distante, queimando com aquele olhar que só você sabia me dar. Desejando que o tempo parasse naquela noite. Assistindo tudo como a um filme na minha mente, fazendo tudo diferente, não te perdendo nunca. Logo, me vejo brigando comigo mesma. Repetindo que quem errou foi você, que eu estava constantemente me dando, me doando, me declarando com palavras calmas e silenciosas que você, ignorando os sinais dos tempos, não ouviu. Repugnando todas as suas mentiras, suas falsidades, seus sumiços, suas ausências. E me odiando por não te conseguir. Sonhando com você se arrependendo, me querendo, voltando. E nós dois deixando tudo pra trás, vivendo, amando.

Por isso, sinto que estou constantemente recomeçando, em um fluxo de idéias e acontecimentos que nunca pára. Não lembro bem onde começou, mas sei que você nunca termina em mim. Estou sempre fazendo, esperando, me decepcionando, me alimentando de esperanças, te amando, te amando, te amando.
Meu amor, com você, meus verbos são todos gerúndios. Porque eu, simplesmente, não sei te ter no pretérito.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre quando a escolha alheia vira a sua escolha.

Existem autores que falam por você. Músicas que falam por você. Filmes que falam por você. No meu caso, Grey’s Anatomy fala por mim. Assistindo – talvez pela vigésima vez – os DVDs de uma das temporadas, revi o episódio no qual Meredith vira para Derek e diz: "Pick me. Choose me. Let me make you happy". Algo como "Fique comigo. Me escolha. Deixe que eu te faça feliz". Isso quando ele escolheu a outrazinha lá, a Addison, aquele idiota. O que importa é que fiquei pensando sobre essa frase. Sobre esse pedido desesperado para ser amada. Para ser escolhida. Para fazer valer a certeza de que ela, e só ela, seria capaz de fazer Derek feliz.

Me fez pensar em quando não somos escolhidos. O clichê "a vida é feita de escolhas" diz um pouco, mas não tudo. É certo que escolhemos o caminho que trilhamos, de alguma forma. Mas, e quando é a outra pessoa que escolhe, e isso influencia no nosso caminho, como lidar? Desenhemos o cenário:

Ele te liga. Ele te manda mensagens carinhosas. Ele diz que você mexeu com ele. Ele te mostra que você mexeu com ele. Ele não se cansa de dizer que te adora, que você é a coisa mais fofa e incrível. Ele te beija, ele te dá carinho, ele te dá atenção. Ele se despenca pra te buscar em um dia chuvoso só para que você não pegue ônibus. Ele te conforta quando você está triste. Ele te beija, ele te dá carinho, ele te dá atenção. Ele sente ciúmes daquele seu ex. Ele conhece a sua mãe. Ele chama, na intimidade de vocês dois, sua mãe de sogra. Ele te mostra que está envolvido, que é ao seu lado que ele quer ficar. Ele te beija, ele te abraça, ele te dá atenção. E te beija mais um pouco, te abraça mais um pouco. E você se derrete todinha.

Aí ele começa a namorar. Outra. Sim, outra que ele, também, ligava, mandava mensagens carinhosas, dizia que ela mexeu com ele. Outra que ele não cansava de dizer que era a coisa mais fofa e incrível, que ele beijava, dava carinho, dava atenção. Outra que ele também se despencava pra buscar em um dia chuvoso, só para que ela não pegasse ônibus. Outra que ele confortava. Outra que ele fazia, exatamente, as mesmas coisas que fazia com você. Mas você não sabia da existência dela.

De alguma maneira, por um cálculo errado do cosmos, ao invés de te escolher, ele escolheu ela. O que você faz? Ouve as amigas, que vão te mandar ficar calma, fingir que não está nem ligando, que está tudo bem, que ele não te importa tanto assim. Mas não está tudo bem, você sabe que não está. Ele te importa demais, você pegou todos aquele tijolinhos que ele te deu e montou um castelo pra vocês dois. Logo, você esquece os conselhos das amigas. Você briga, você discute, você diz que não é bem assim que a banda toca! Que ele mentiu, que ele te enganou, que ele te iludiu. Ele, por outro lado, vai negar até a morte. Vai dizer que foi sempre sincero, que nunca te prometeu nada, que não te devia satisfações, pois vocês não tinham nada sério. E vai finalizar dizendo que você é ótima, que gosta muito de você, que quer que vocês sejam amigos.

Tudo bem, vocês não serão amigos. Pelo menos, não enquanto você ainda quiser socar a cara dele e arrancar os cabelos daquela pirigueti aleatória que tinha que entrar no caminho de vocês dois. Mas quando você chegar em casa, deitar a cabeça no travesseiro, não vai se furtar em ter aquela incômoda e impertinente questão rondando a sua mente: por que não eu? Por que ele escolheu ela? O que eu fiz de errado?

Quer a resposta? Nada. Você não fez nada de errado. Você não é louca, não idealizou um romance do nada. Contrata um advogado, filha! Você tem cinco mil mensagens no celular pra provar que você não é maluca. Ele que quer o melhor dos dois mundos. Quer a aproximação contigo e quer ficar com ela, porque na hora que der errado com ele, você estará ali. No entanto, a grande questão é: ele fez uma escolha. Ele não escolheu você. Lide com isso, enfrente como uma mulher de verdade. Ainda que ele te chame de louca, diga o que você pensa. Depois, sozinha, agarre o travesseiro e chore bastante. Coloque Alcione no I-Pod, ela te ajuda e te entende. Nada como sofrer com Alcione. No dia seguinte, coloque uma roupa que realce a sua bunda, dê um trato no cabelo e na maquiagem, e siga em frente. Vá a luta. Ele não te escolheu, paciência. Não adianta você ficar se perguntando o motivo disso. É simples assim: não foi você. Foi ela. E relaxe, um dia, será você. Não com ele, mas com outro. Um outro melhor. Um outro que vai, sim, escolher você.

E, por mais que seja chato e injusto, por mais que você se sinta indignada por ter que fazer escolhas que não te competiam, por ter que caminhar sem ele, pois a escolha dele influenciou diretamente a sua, não tente se vingar. Isso só irá te consumir e, provavelmente, não surtirá nenhum efeito.
Quer saber a melhor vingança? Seja feliz. A qualquer custo, sem precisar esfregar na cara dele a sua felicidade. Ele saberá que você está bem, de uma forma ou de outra. Ande bom um bofe bem gato e que se importa com você na frente dele. Seja bem sucedida, bem resolvida. Se for preciso, escreva uma crônica como essa. É uma baita de uma terapia. E siga em frente. Você não quer, realmente, investir em uma pessoa que tem dúvidas se deve ou não te escolher. É melhor assim. Eu prometo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dói mais não saber, sabia?


Recorramos a metáforas: Temos um elástico. Daqueles que prendem papel. Agora pegamos o elástico com as duas mãos, e começamos a alongá-lo, devagar. Passamos, então, a puxar um pouco mais. E mais. Olhamos com desconfiança, afinal, uma hora aquilo vai ter que parar. Vai ter que chegar ao máximo possível. Esticamos o elástico até seu limite físico. Não dá mais. Então, soltamos o elástico de uma das mãos. Ele, rapidamente, se encolhe e estala na outra mão, que continuava a segurá-lo. Dói. Arde. E pensamos: que idéia idiota! Será que não poderíamos adivinhar que ia doer assim? Pra que brincar dessa forma com esse elástico? É lógico que ia dar errado.

Agora imaginemos esse elástico dentro de nós. Nossas emoções, por assim dizer. E esticamos nossas emoções ao máximo. Podemos até pensar, enquanto o fazemos, que isso não pode acabar bem. Uma hora esse elástico vai estourar, ou vai voltar com tudo pra cima de nós. Mas continuamos a esticar nossas emoções o máximo possível, enquanto pudermos. Porém, há algum tipo de equilíbrio perfeito no universo, e uma hora nossas emoções, por mais elásticas que sejam, vão estourar. E vai doer, vai arder por dentro, e vamos nos perguntar por que alongamos tanto aquele sentimento, por que fomos até o nosso limite. Enquanto dói, é difícil uma resposta aceitável. É quase irritante o argumento de que aprendemos com a dor. Quem quer aprendizado, quando o coração está sangrando? Por que temos que passar por tanta coisa? Que aprendizado é esse que nos levaria, supostamente, a algum tipo de conhecimento superior? Afinal, precisamos mesmo não ouvir de volta a declaração de amor feita do fundo do coração para saber que o outro não nos ama? Será que não podemos perceber isso com alguns gestos, e precisamos chegar a situações quase humilhantes para aprendermos? Será que precisamos ver o ser amado acompanhado por outrem, trocando carinhos e promessas, para entendermos que não somos desejados? Precisamos sofrer nas mãos de alguém para descobrirmos que algumas pessoas, simplesmente, não se importam?

Perguntas, perguntas... Tantas indagações carentes de respostas, mas que se resumem, todas, a um único intuito: ao sabê-las, afastaríamos a dor. Evitaríamos a ardência, a mágoa, a desventura.

A dor, porém, é necessária. Ela é humana, faz parte de nossa constituição tanto quanto água ou carbono. A dor é um alerta que nos avisa que há algo errado, pois o normal é não doer. Logo, se o amor dói, ele está errado. Amor não é pra doer. A dor é, também, um indício de que sentimos alguma coisa. Não estamos – ainda – anestesiados, inertes, imóveis diante de tanto sofrimento, de tantos corações partidos que encontramos por aí. Será que, para reconhecermos o amor que não dói, precisamos, necessariamente, passar por aquele que machuca? Será preciso a total entrega, a abnegada doação, a generosa oferta de nós mesmos a um nada sem valor para, só depois, só quando a tristeza e a raiva arderem dentro de nós, descobrirmos que é preciso mais maturidade, seleção, paciência? Será preciso esticar o elástico ao máximo para saber que ele vai nos ferir quando chegar ao seu limite?

Depois que o elástico nos machuca, depois que dói, descobrimos que, em algum momento, vai parar de doer. A ferida vai cicatrizar, o sofrimento vai ter um fim. Talvez fique uma cicatriz, mas esta, também, vai deixar de doer. E não viveremos com a impressão de jamais saber como seria esticar aquele elástico, fazer aquela declaração. Não conviveremos com a dúvida da retribuição do carinho, sem saber o que acontece quando distendemos nossos sentimentos até seus limites físicos e extra-corpóreos. Não há nada de errado em doer. O errado é a persistência da dor. E ela só vai persistir se a alimentarmos, se não cuidarmos dela. Assim aprendemos, também, a fazer a dor passar. Porque dói menos tentar fazer parar de doer. Dói mais, muito mais, não saber.

domingo, 1 de agosto de 2010

Sem rótulos.

Antes dos dezoito anos todos cobiçam alcançar essa idade, com a doce ilusão de toda liberdade conquistada com a maioridade. Depois dos quarenta, o discurso mais ouvido é sobre a saudade que a juventude deixou. Com os poetas românticos altamente saudosistas, descobrimos uma tendência do ser humano de olhar para o passado como se fosse melhor do que o presente e depositar no futuro todas as esperanças para uma vida melhor. Poucos percebem, porém, que ao desvalorizar o momento presente em detrimento de uma idolatria ou idealização de outra época qualquer se está, na verdade, perdendo tempo produtivo de vida. Cabe analisarmos os fatores, principalmente externos, responsáveis por tal fato.

Primeiramente, é importante perceber a evidente contradição existente na atualidade. Vive-se em uma sociedade extremamente hedonista que preza o prazer imediato a qualquer custo, vide o envolvimento de jovens com drogas, por exemplo, o que prova que há uma sede por aproveitar o momento. Porém, esse valor árcade do Carpe Diem vai de encontro com uma violência cada vez maior nas grandes cidades, o que serve de argumento para aqueles mais velhos, que costumam lembrar como nas suas juventudes tudo era mais fácil e mais seguro, logo, aproveitavam mais. Aliado a isso, as grandes revoluções tecnológicas e na medicina diariamente prometem e cumprem verdadeiros milagres, criando uma grande expectativa de um futuro melhor. Percebe-se, assim, que as pessoas nunca estão satisfeitas com o momento presente.

Além disso, cabe concedermos à mídia seu papel em tal problemática. Percebemos que os meios de comunicação em massa costumam dar um valor exacerbado à juventude, glorificando esta como a melhor fase da vida. Vende-se a idéia de que, quando jovem, somos mais capazes, saudáveis, bonitos e podemos revolucionar o mundo. Conseqüentemente, as pessoas acabam pensando que essa é a melhor fase da vida, e dão uma ênfase somente à juventude, como se a infância fosse apenas uma fase antecedente que deve logo terminar, e a velhice, a decadência da vida. Poucos percebem que cada etapa possui sua importância e beleza individuais.

Não se pode esquecer, ainda, que vivemos em uma sociedade capitalista, que confere à posses e status a maior importância possível. Em busca sempre da maximização dos lucros, há uma necessidade enraizada nessa mesma de inferir rótulos a tudo. A partir disso, temos o que é pior ou melhor, mais bonito e mais feio, mais válido ou menos válido, e isso vai desde objetos e posses materiais até o que é mais subjetivo e por vezes etéreo, como caráter, dignidade e, logicamente, fases da vida. Assim, passamos mais tempo tentando definir a melhor delas, enumerando as qualidades e defeitos de cada uma, do que de fato tentando aproveitá-las.

Dessa forma, nada mais justo afirmar que a humanidade, especialmente no contexto vigente, está deixando a vida escorrer em suas mãos sem perceber. O ser humano tende a não refletir sobre o seu presente, valorizando o passado e idealizando o futuro. Porém, seria ignorante e ineficaz comparar a inocência de Narizinho, o crescimento de Capitu e o conhecimento de dona Benta. Melhor do que isso é viver o agora, para que, ao olhar o passado não haja remorso ou vontade de retorno, e sim a saudade de uma fase boa. De todas elas.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mutualismo

São várias as opiniões sobre o papel que devem exercer, assim como são comuns as críticas aos abusos que muitos cometem quando o assunto é meios de comunicação. Há séculos, livros ainda era escritos à mão e, por isso, muito raros e desejados. Passando pela grande invenção de Gutenberg, a imprensa, até os dias atuais, o culto à informação só tem crescido. É tamanha a ânsia por ver e saber que muitas pessoas perdem a noção do que é realmente necessário, deixando-se levar por interesses maiores daqueles que vivem para informar, ou em alguns momentos transformar, mentes vulneráveis. Excessos devem ser controlados, sem nunca comprometer a liberdade de informação.

A maior parte dos meios de comunicação em massa é controlada por empresas privadas. É, por esse motivo, vinculado somente o que atende os interesses individuais de seus proprietários. Tais empresários visam o lucro, e por isso não hesitam em exibir cenas fortes e violentas em horários que crianças estão acordadas, ou apelar para qualquer assunto que atraia espectadores. Assim, o Estado deveria criar um órgão eficiente que acompanhasse todos os passos da imprensa brasileira. Para evitar que seja o retorno da DIP e com isso a instituição da censura, pode-se, então, apoiar organizações não governamentais, como o Observatório da Imprensa, que já realiza esse trabalho para o bem da sociedade.

Esta, por sua vez, também possui o seu papel no combate ao abuso dos meios. Pesquisas afirmam que temas como sexo e violência atraem a atenção do público, tanto que já há até uma banalização desses assuntos. As pessoas já acham normal ver estampado nos jornais o número de mortos na última guerra do tráfico, ou que um programa de TV tenha como fundamento invadir a privacidade de um grupo de pessoas e filmar suas vidas ininterruptamente, transformando o voyerismo e o crime em assuntos comuns e rotineiros. Cabe a todo cidadão discernir entre o que acrescenta e o que é meramente apelativo.Se cada um não der mais credibilidade aos assuntos inadequados e inúteis, certamente estes deixarão de ser vinculados, já que não mais serão lucrativos. A liberdade estará garantida, bem como o patrimônio moral de todos.

As universidades também possuem um papel vital nessa preservação. Elas devem instruir melhor os alunos de carreiras como jornalismo e publicidade sobre o verdadeiro papel de um profissional da imprensa. É certo que o mesmo deve retratar a realidade, e esta é muitas vezes de violência, corrupção e escândalos. Entretanto, com a educação correta ele possuirá consciência de como os assuntos devem ser passados, sem recorrer á banalização ou à sede pelo capital. O homem é facilmente corrompido pelo dinheiro, sendo de fato difícil negar quando as condições para o enriquecimento, ascensão profissional e até a fama são favoráveis, mesmo colocando em xeque a ética. Todavia, é muito mais provável o bom senso e a moral prevalecerem com a instrução correta.

Dessa maneira, pode-se perceber que, assim como na Biologia, em que o mutualismo é a relação harmônica em que um necessita do outro para sobreviver, é necessária uma mobilização de todas as partes para o combate ao abuso dos meios de comunicação. Isso, é claro, preservando sempre a liberdade de expressão. Além disso, é indiscutível que se faz coerente uma reciclagem em todos os setores da comunicação voltada para as massas, para que se possa alcançar não só a preservação, mas a valorização dos princípios fundamentais da ética. Gutenberg, e toda a humanidade, agradecem.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O tempo é nada.

Dizem que o tempo cura tudo. Falácia dos tempos, doce ilusão dos corações esperançosos por uma rendição, ingênua certeza no poder dos dias. O tempo não cura nada, ele somente mascara um sentimento que se cansa sozinho de existir. Os dias passam, os meses passam, até os anos passam, e novas preocupações e problemas surgem pelo caminho, tomando lugar de outros, já velhos conhecidos. É como uma ferida. Com o tempo, nos acostumamos e ela para de doer momentaneamente. Por vezes até mesmo esquecemos de que ela estava ali. Mas se batemos aquele local ferido em algum lugar, se derramamos sem querer algo nele, ele volta a doer. E aquela dor vem com tudo, nos lembrando de como ela era antes. Assim como o tempo não cura, são também falaciosas aquelas teorias populares que afirmam que, para curar uma paixão, só mesmo outra paixão. Ou que um novo corte de cabelo é capaz de superar desilusões, como se elas fossem embora junto com as madeixas. Ou até mesmo que um bom porre ou uma enorme panela de brigadeiro podem curar dor de cotovelo. Elas nada fazem além de engordar. Se um dia você se machucou, ou se alguém te machucou, pode estar certo de que você pode até superar este confronto, amenizar essa situação quando outras tantas mágoas aparecerem, e viver bem – com sorte, muito bem – com isso. Mas curar-se totalmente, não dá. Como um vírus da gripe que nunca deixa de sair do seu organismo, e em qualquer recaída da sua saúde ele ataca novamente. Não é uma questão de perdão, mas de boa memória. Viva com as suas mágoas e suas dores, tente encará-las como cicatrizes ou até mesmo belas tatuagens que preenchem o seu corpo e contam a sua história, afinal elas são, também, parte da sua vida, e te fazem quem você é. Acima de tudo, faça o seu melhor para não machucar ninguém, pois como você, aquela pessoa também terá que conviver com isso para sempre. Porém, não se iluda, não se engane e não se prenda à esperança de que o tempo vai, por si só, fazer desaparecer tudo aquilo que te corrói hoje. Mas não se desespere! Não se prenda em uma bolha, não desista de interagir com pessoas, não tenha medo de paixões e loucuras. A dor é física e pode ser boa. Ela é evidência, enfim, de que ainda sentimos alguma coisa.

Foco (?)

É errado policiais liberarem os atropeladores do Rafael Mascarenhas sem levá-los para a delegacia? Sim. É errado policiais cobrarem propina para liberá-los? Sim. Esses policiais devem ser punidos? Sim.
Estas respostas são óbvias, não há discussão sobre isso. Porém, mais errado do que tudo isso está o foco que vem sendo dado ao atropelamento. Policiais corruptos tem que ser punidos administrativamente, e isso já está sendo investigado. Se cobraram mil ou dez mil, não importa. Não tem que cobrar nem um real. Até aí tudo bem.

O que surpreende é quase ninguem falar sobre o atropelador do jovem skatista. Tão errado quanto cobrar propina é pagá-la. Parece que a mídia perdeu o foco da questão, e está discutindo assuntos que não são o principal: o outro Rafael é um jovem irresponsável, com histórico de infrações no trânsito, que estava realizando uma prática proibida em um lugar proibido, e matou alguem. E não prestou socorro. E fugiu. E pagou propina pra se livrar. E levou o carro na oficina naquela mesma noite, pedindo "urgência" no conserto. E só voltou atrás quando descobriu que sua vítima era filho de famosa, então, provavelmente, não ia ficar por isso mesmo. Ninguem fala sobre ele? Sobre como ele vai pagar pelo que fez? Que pena ele vai cumprir? Se Rafael Mascarenhas não tinha que estar andando de skate com seus amigos em um túnel fechado para a manutenção é uma outra história. Também não é o foco da discussão. Pelo menos, não deveria ser. Mas, ao que tudo indica, tem muita gente fugindo do assunto principal, porque ele é bem mais difícil e doloroso de se discutir. A vítima é a vítima, e ponto.

O que aconteceu foi homicídio. E as pessoas estão discutindo o valor pago na propina, quem cobrou, quem ofereceu. O foco principal se perdeu. Em ano de eleição, isso deve significar alguma coisa.