quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mutualismo

São várias as opiniões sobre o papel que devem exercer, assim como são comuns as críticas aos abusos que muitos cometem quando o assunto é meios de comunicação. Há séculos, livros ainda era escritos à mão e, por isso, muito raros e desejados. Passando pela grande invenção de Gutenberg, a imprensa, até os dias atuais, o culto à informação só tem crescido. É tamanha a ânsia por ver e saber que muitas pessoas perdem a noção do que é realmente necessário, deixando-se levar por interesses maiores daqueles que vivem para informar, ou em alguns momentos transformar, mentes vulneráveis. Excessos devem ser controlados, sem nunca comprometer a liberdade de informação.

A maior parte dos meios de comunicação em massa é controlada por empresas privadas. É, por esse motivo, vinculado somente o que atende os interesses individuais de seus proprietários. Tais empresários visam o lucro, e por isso não hesitam em exibir cenas fortes e violentas em horários que crianças estão acordadas, ou apelar para qualquer assunto que atraia espectadores. Assim, o Estado deveria criar um órgão eficiente que acompanhasse todos os passos da imprensa brasileira. Para evitar que seja o retorno da DIP e com isso a instituição da censura, pode-se, então, apoiar organizações não governamentais, como o Observatório da Imprensa, que já realiza esse trabalho para o bem da sociedade.

Esta, por sua vez, também possui o seu papel no combate ao abuso dos meios. Pesquisas afirmam que temas como sexo e violência atraem a atenção do público, tanto que já há até uma banalização desses assuntos. As pessoas já acham normal ver estampado nos jornais o número de mortos na última guerra do tráfico, ou que um programa de TV tenha como fundamento invadir a privacidade de um grupo de pessoas e filmar suas vidas ininterruptamente, transformando o voyerismo e o crime em assuntos comuns e rotineiros. Cabe a todo cidadão discernir entre o que acrescenta e o que é meramente apelativo.Se cada um não der mais credibilidade aos assuntos inadequados e inúteis, certamente estes deixarão de ser vinculados, já que não mais serão lucrativos. A liberdade estará garantida, bem como o patrimônio moral de todos.

As universidades também possuem um papel vital nessa preservação. Elas devem instruir melhor os alunos de carreiras como jornalismo e publicidade sobre o verdadeiro papel de um profissional da imprensa. É certo que o mesmo deve retratar a realidade, e esta é muitas vezes de violência, corrupção e escândalos. Entretanto, com a educação correta ele possuirá consciência de como os assuntos devem ser passados, sem recorrer á banalização ou à sede pelo capital. O homem é facilmente corrompido pelo dinheiro, sendo de fato difícil negar quando as condições para o enriquecimento, ascensão profissional e até a fama são favoráveis, mesmo colocando em xeque a ética. Todavia, é muito mais provável o bom senso e a moral prevalecerem com a instrução correta.

Dessa maneira, pode-se perceber que, assim como na Biologia, em que o mutualismo é a relação harmônica em que um necessita do outro para sobreviver, é necessária uma mobilização de todas as partes para o combate ao abuso dos meios de comunicação. Isso, é claro, preservando sempre a liberdade de expressão. Além disso, é indiscutível que se faz coerente uma reciclagem em todos os setores da comunicação voltada para as massas, para que se possa alcançar não só a preservação, mas a valorização dos princípios fundamentais da ética. Gutenberg, e toda a humanidade, agradecem.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O tempo é nada.

Dizem que o tempo cura tudo. Falácia dos tempos, doce ilusão dos corações esperançosos por uma rendição, ingênua certeza no poder dos dias. O tempo não cura nada, ele somente mascara um sentimento que se cansa sozinho de existir. Os dias passam, os meses passam, até os anos passam, e novas preocupações e problemas surgem pelo caminho, tomando lugar de outros, já velhos conhecidos. É como uma ferida. Com o tempo, nos acostumamos e ela para de doer momentaneamente. Por vezes até mesmo esquecemos de que ela estava ali. Mas se batemos aquele local ferido em algum lugar, se derramamos sem querer algo nele, ele volta a doer. E aquela dor vem com tudo, nos lembrando de como ela era antes. Assim como o tempo não cura, são também falaciosas aquelas teorias populares que afirmam que, para curar uma paixão, só mesmo outra paixão. Ou que um novo corte de cabelo é capaz de superar desilusões, como se elas fossem embora junto com as madeixas. Ou até mesmo que um bom porre ou uma enorme panela de brigadeiro podem curar dor de cotovelo. Elas nada fazem além de engordar. Se um dia você se machucou, ou se alguém te machucou, pode estar certo de que você pode até superar este confronto, amenizar essa situação quando outras tantas mágoas aparecerem, e viver bem – com sorte, muito bem – com isso. Mas curar-se totalmente, não dá. Como um vírus da gripe que nunca deixa de sair do seu organismo, e em qualquer recaída da sua saúde ele ataca novamente. Não é uma questão de perdão, mas de boa memória. Viva com as suas mágoas e suas dores, tente encará-las como cicatrizes ou até mesmo belas tatuagens que preenchem o seu corpo e contam a sua história, afinal elas são, também, parte da sua vida, e te fazem quem você é. Acima de tudo, faça o seu melhor para não machucar ninguém, pois como você, aquela pessoa também terá que conviver com isso para sempre. Porém, não se iluda, não se engane e não se prenda à esperança de que o tempo vai, por si só, fazer desaparecer tudo aquilo que te corrói hoje. Mas não se desespere! Não se prenda em uma bolha, não desista de interagir com pessoas, não tenha medo de paixões e loucuras. A dor é física e pode ser boa. Ela é evidência, enfim, de que ainda sentimos alguma coisa.

Foco (?)

É errado policiais liberarem os atropeladores do Rafael Mascarenhas sem levá-los para a delegacia? Sim. É errado policiais cobrarem propina para liberá-los? Sim. Esses policiais devem ser punidos? Sim.
Estas respostas são óbvias, não há discussão sobre isso. Porém, mais errado do que tudo isso está o foco que vem sendo dado ao atropelamento. Policiais corruptos tem que ser punidos administrativamente, e isso já está sendo investigado. Se cobraram mil ou dez mil, não importa. Não tem que cobrar nem um real. Até aí tudo bem.

O que surpreende é quase ninguem falar sobre o atropelador do jovem skatista. Tão errado quanto cobrar propina é pagá-la. Parece que a mídia perdeu o foco da questão, e está discutindo assuntos que não são o principal: o outro Rafael é um jovem irresponsável, com histórico de infrações no trânsito, que estava realizando uma prática proibida em um lugar proibido, e matou alguem. E não prestou socorro. E fugiu. E pagou propina pra se livrar. E levou o carro na oficina naquela mesma noite, pedindo "urgência" no conserto. E só voltou atrás quando descobriu que sua vítima era filho de famosa, então, provavelmente, não ia ficar por isso mesmo. Ninguem fala sobre ele? Sobre como ele vai pagar pelo que fez? Que pena ele vai cumprir? Se Rafael Mascarenhas não tinha que estar andando de skate com seus amigos em um túnel fechado para a manutenção é uma outra história. Também não é o foco da discussão. Pelo menos, não deveria ser. Mas, ao que tudo indica, tem muita gente fugindo do assunto principal, porque ele é bem mais difícil e doloroso de se discutir. A vítima é a vítima, e ponto.

O que aconteceu foi homicídio. E as pessoas estão discutindo o valor pago na propina, quem cobrou, quem ofereceu. O foco principal se perdeu. Em ano de eleição, isso deve significar alguma coisa.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Quase-Manifesto.

Há muitos anos as mulheres lutam pelos seus direitos, e vêm conseguindo inegáveis avanços. Para que, hoje, possamos votar, trabalhar e usar calças jeans, muito sutiã teve que ser queimado em praça pública. Hoje, no auge de nossas independências, somos diretoras de grandes empresas multinacionais, engenheiras renomadas, grandes cirurgiãs, artistas, e ainda somos mães, esposas e, é claro, estamos sempre belas, depiladas e com os cabelos hidratados. Somos as donas das nossas próprias quitandas, pagamos nossas contas de luz e do salão de beleza. Não temos que dar satisfações a ninguem, somos inteligentes, cultas, e ainda sabemos escolher a cor do esmalte. Sim, somos as tais. Somos o que há de contemporâneo, de avançado, super heroínas do dia a dia que se desdobram em mil para atender às nossas próprias exîgências, e as da sociedade. Ninguem quer, afinal, menosprezar tanta luta, tanto sacrifício, tanto tempo querendo provar que podemos ser o que bem entendermos. Sou mulher. Se quiser sair, eu saio; coloco um salto alto, um decotão e vou pra balada, ninguem pode comigo. Se quiser ficar em casa, de moletom assistindo TV com meu cachorro, eu fico tambem, ninguem tem nada com isso. Posso, inclusive, me dar o luxo de comer uma caixa inteira de trufas de chocolate assistindo um filme, porque depois quem vai pagar a conta do spa sou eu. E isso SE eu quiser ir pro spa, porque se eu bem entender que quero uma bunda cheia de celulite, parecendo mais um queijo suíço, também é problema meu. Não preciso de nenhum homem pra me dizer como devo ou não devo ser.

Ah, sim. Os homens. Eles existem, ainda, em nossas vidas. Mas hoje temos uma relação diferente com eles. Eles não são mais nossos donos, senhores de nosso destino. Alguns são nossos brinquedinhos, nossos play grounds. Sexo casual, one night stand, e daí? O problema é meu, muita mulher lá atrás teve que provar sua sexualidade para que, hoje, eu possa fazer da minha o que eu bem entender. Aliás, se eu quiser perpetuar a minha espécie e fazer uma miniatura de mim mesma, nem preciso me relacionar com um homem. Posso ir a um banco de esperma, pagar uma quantia que, sim, é cara, mas o dinheiro é meu, e pronto. Em nove meses, serei mais uma adepta da maternidade, sem precisar passar por toda aquela chatice encontros e relacionamentos. Somos tão donas de nossos narizes bem cuidados com seções de limpeza de pele mensais que podemos, inclusive, optar pelo caminho contrário. Se quisermos ser donas de casa que cozinham para seus maridinhos, mães superprotetoras que correm do supermercado para o colégio dos filhos para o balé da filha para o futebol do filho para o inglês das crianças e...ufa! Ainda tem que ir no banco pagar as contas. E controlar as despesas de casa. E garantir a harmonia do lar. E ter certeza de que os filhos estão sendo bem educados e o marido está feliz. Não é mole não.

Somos as rainhas da cocada preta. E sabe o que é triste? Na grande maioria das vezes, isso é somente aos nossos olhos. Valorizamos cada conquista, cada meio centímetro percorrido a caminho da independência porque ela é nossa. Mas para os homens, para muitos deles, ainda somos, somente, mulheres. Seres difíceis de se entender. Ferozes quando estão na TPM, essa época do mês que eles, simplesmente, não entendem o caos interno que os hormônios enlouquecidos provocam. Se optamos por cuidar da casa, somos submissas e temos que responder a eles. Se colocamos a carreira em primeiro lugar, somos frígidas sem coração. Eles podem priorizar a carreira. É coisa de macho ganhar dinheiro. Nós não. Se damos no primeiro encontro, somos fáceis demais, indignas de uma ligação no dia seguinte. Se nos resguardamos, estamos nos fazendo de difíceis. Sexo é coisa de macho. Mulher não goza. Se queremos curtir a vida sem compromissos, somos vadias sem noção que só pensam em baladas. Se queremos namorar, somos neuróticas que só pensam em casamento. Temos que lembrar de tomar a pílula anticoncepcional todos os dias, religiosamente no mesmo horário. Afinal, se ficarmos grávidas numa relação casual, a culpa é nossa, que não nos cuidamos, que queremos dar o golpe da barriga. Somos aquelas que geram a vida, que dão à luz, que fazem crescer um outro ser. Mas isso não é mágico, não é bonito. Isso é obrigação. Mulher que não é mãe não é uma mulher completa. Ainda apanhamos, é verdade. Literalmente ou não. Muitas de nós morrem todos os dias, fruto da violência doméstica, da mão pesada daquele parceiro que escolhemos para amar. Morremos tambem de pouquinho em pouquinho com agressões verbais, descasos, desinteresses. Não é mole, não.

Quem por nós? Nós mesmas. Quem contra nós? Todo resto. Feminismo já é chato, vitimização mais ainda. Sutiãs não precisam mais ser queimados. A sexualidade não precisa mais ser conquistada. Os direitos a trabalhar e a votar, tambem não. Isso tudo já foi alcançado. Acima de tudo, conquistamos o livre-arbítrio. Escolhemos nossas escolhas. Pelo que lutar agora?

Lutemos pela dignidade reconquistada. Pela coragem de nos queixarmos dos maus tratos. Pelo fim do massacre do que nos resta de mais precioso: nosso feminino, nosso lado fêmea que quer gritar, que quer justiça para aquelas de nós que perdem a vida em represas, em sítios, em qualquer esquina desse país. Quanto tempo mais ficaremos esperando? Não proponho feminismo. Não proponho nenhum tipo de superioridade. Proponho denúncia, atenção e ajuda mútua. Igualdade. Gênero é muito mais do que sexo. É atitude.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Vamos falar de amor?


Hoje completam 30 anos que ficamos sem Vinicius de Moraes. Sem suas letras, sem sua delicadeza. Em tempos de guerras, de psicopatas, de tanta feiura como a que vivemos, as palavras de Vinícius são como uma respiração aliviada de quem há tanto sentia-se sufocado. Precisamos disso, como do próprio ar. Permitam-se breves momentos de beleza, caros leitores, e fujam um pouco de toda a loucura do mundo.

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

A polêmica da palavra.



A palavra tem poder. Esse clichê todos conhecem, e poucos discordam. O povo não perde tempo, e inebriado pelo frenesi da queda de mais um gigante, o mesmo que o próprio povo colocou num altar, chamou de melhor do Brasil. O mesmo que antes chamavam de "campeão", agora chamam de "assassino". Eu chamaria de "burro", mas tudo bem. E o povo, não acostumado a barbáries mesmo quando essas são estampadas quase diariamente nos jornais, se manifesta. É este o único assunto em mesas de bares, filas de supermercado, na televisão, no twitter. E, aparentemente, no muro da casa onde a carnificina foi executada, lá nas Gerais. Ainda que com erro de português, eles têm o que dizer. Vox Populi, Vox Dei. Ao que tudo indica.

Ainda sobre palavras: e a Lindsey Lohan que deu uma declaração dizendo que o "Fuck You" em suas unhas nada mais era do que montagem computadorizada de algum fotógrafo mal intencionado. E eu que até tinha achado ela ousada...Que decepção.

ps: voltei com os "Comentários" aqui no blog. Que eu não me arrependa.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Limites.



Não vou comentar sobre o caso Eliza Samudio aqui. Por motivos vários: a imprensa em geral já está amplamente noticiando o caso, não precisa ser este mais um meio de informação. Mas principalmente porque a meia dúzia de pessoas que lêem esse blog já perceberam que, aqui, todo e qualquer assunto engrena pro lado do humor. E sobre certas tragédias não se pode fazer humor. Nem o melhor dos humoristas conseguiria nesse caso. Arquitetar para matar uma pessoa, seja ela quem for (é um pouco pior quando se tem um filho com esta pessoa, mas vá lá.), mandar matar, esquartejar, desossar, dar a carne para cachorros comerem...É de uma crueldade tamanha que, simplesmente, não há muito mais o que dizer. Palavras faltam, pois mais uma vez o limite da maldade humana foi ultrapassado. Durante um tempo, achamos que ninguem poderia ser mais cruel que Suzane von Richtoffen. Daí veio o casal Nardoni, e nos desmentiu. Quebramos a cara mais uma vez. Há limites para a piada. O caso de Eliza Samúdio não tem graça.

Mas como a bruxa está solta no mundo das celebridades, graça tem o caso Lindsey Lohan. A garotinha de Garotas Malvadas, que ficou muito mais famosa por causa dos seus problemas com a lei, finalmente foi presa. Depois de ser detida por dirigir alcoolizada, perder a carteira de motorista, ser obrigada a andar com uma tornozeleira rastreada pela polícia e, finalmente, ser proibida de ingerir qualquer gota de alcool, ela não conseguiu. Mas não condenemos a pobre coitada, ela tinha compromissos. Quem aqui nunca teve que faltar um julgamento para curtir o Festival de Cannes que atire a primeira pedra! O que ela poderia fazer, se algumas festas são regadas a alcool e drogas? E daí que ela tirou uma foto ao lado de uma carreira de cocaína? Esse pessoal não entende nada mesmo...

Mrs Lohan violou a condicional, e desta vez não teve segunda chance. Mas não se fez de rogada, e apareceu por lá com a inscrição "Fuck You" em uma das unhas. Vai virar tendência na moda, isso é fato. E é triste. No mundo em que vivemos, ou tiramos sarro de tragédias, ou ficamos obcecados com barbaridades, ou devoramos histórias de assassinos modernos que arquitetam crimes muito além da nossa compreensão ou da criatividade de qualquer novelista, ou seguimos o exemplo de celebridades que são famosas simplesmente por serem famosas, e não porque têm, efetivamente, algo a oferecer. Consumimos essas informações sem o menor filtro moral. Mais do que nos informarmos, temos sede de desgraça. Na vida dos outros, é claro. A culpa é nossa, que não damos limites ao que consumimos e ao que valorizamos. A culpa é nossa, por não termos limites.

domingo, 4 de julho de 2010



No seu programa de hoje, Faustão criticou o presidente da CBF, por colocar uma pessoa "totalmente sem experiência" no comando da Seleção Brasileira de Futebol. Até aí tudo bem. Se Dunga nunca nem mesmo treinou a seleção junior do bairro dele, segurar a seleção é pesado. É aquele cara que aprendeu a nadar ontem e, hoje, já achou tinha cacife pra enfrentar o mar. Mas o ponto alto da crítica foi quando Faustão chamou Dunga de arrogante, dizendo que esta é a arma dos incompetentes e inseguros. Mais um acerto pro dono das tardes de domingo que, dado seu figurino, pode-se dizer que ele é, seguramente, o rei da confiança.

O bom filho à casa torna.



Woody Allen é daqueles cineastas que foram picados pelo bichinho que, pessoalmente, gosto de chamar de "stick to it". No caso de Allen, o bichinho é a cidade de Nova York. Desde o início de sua carreira, ambientou seus dilemas, conflitos sociais, surtos hipocondríacos e descrenças na cidade que nunca dorme, camuflados em personagens que não são muito mais do que o próprio cineasta, e a vida que ele gostaria de ter. Não que Nova York não seja suficientemente inspiradora. Aliás, é um dos poucos cenários no mundo que não cansam. Entretanto, o mais do mesmo cansa. Ainda que esse "mesmo" seja genial.

Decidido a tirar férias da sua América, Woody Allen foi pra Europa e revitalizou sua carreira. Fez dois filmes excelentes, dos melhores de sua vasta carreira. Match Point, em Londres, e Vicky Cristina Barcelona, na cidade-título, este último absolutamente fantástico, impecável, e que rendeu o Oscar à estupenda Penelope Cruz. Mas Allen sentiu saudades de casa, da selva de concreto onde os sonhos são feitos, e com "Tudo Pode Dar Certo" (Whatever Works, de Woody Allen, EUA 2009), voltou às suas origens.

O forte dos filmes de Woody sempre foram os diálogos, e neste caso não é diferente. Ele continua cáustico, hipocondríaco, sarcástico, pouco gentil, descrente, despretencioso e metido a inteligente, sendo que desta vez teve a relevante sacada de não se colocar como personagem principal. É bastante óbvio que o protagonista, Boris, é a personificação do cineasta na tela, mas ao que tudo indica, ele percebeu que não é um bom ator muito além dele mesmo, e escalou o célebre Larry David para viver o Woody da vez. Como sua direção continua não sendo das mais criativas, ele compensa no trato com os atores, que novamente parecem naturais e deliciosamente problemáticos, com uma boa performance especialmente de Evan Rachel Wood. Ela mesma, a menininha de "Aos Treze".

Se a direção de atores e os inteligentes e ágeis diálogos já são marcas registradas de Woody Allen, em Whatever Works ele resolveu inovar em sua própria estética e usar o recurso da "quebra da quarta parede", no jargão audiovisual, quando o ator fala com a câmera. Larry David "dialoga" com os espectadores, até mesmo quando os amigos fictícios estranham. "Com quem você está falando, Boris?", eles perguntam. "Com eles, esse monte de gente que está nos assistindo.". "Não tem ninguem nos assistindo!". Então, Larry vira, mais uma vez, para a câmera e estabelece uma compreensão com aquele cara lá da última fileira que se perpetua por todo o filme. Só ele, personagem fílmico, entende que há uma platéia ali, disposta a ouvir uma estória. É um segredo nosso, do público com Boris. Tido como "gênio" no filme, assim ele se estabelece ao demonstrar que entende mais da vida do que os demais personagens, inclusive enxergando o fato de que há espectadores logo ali. É a metonímia do próprio cineasta que, embora constantemente perspicaz, sempre acredita ter um entendimento cinematográfico muito maior do que as meras cabecinhas artísticas da culturalmente vazia América do Norte.


(Tudo Pode Dar Certo está nos cinemas no Rio de Janeiro)

sábado, 3 de julho de 2010

Adios, hermanos!

Senhores, eis imagens marcantes dos últimos dois dias na Copa da Fifa:





Verdade seja dita: ver a Argentina perder é bom. Vê-la ser humilhada é ainda melhor. Não só é possível, como bem provável que tais sentimentos se dêem por alguma forma de recalque brasileira.Imaturidade, bobagem, eu sei. Mas no futebol, eles são mais do que adversários. São inimigos. E a recíproca é verdadeira. As capas dos jornais dos hermanos de hoje estampavam fotos do Kaka aos prantos no fim do jogo de ontem, que nos rendeu uma sofrida eliminação. Dói ainda. E como dói... Mas dói menos vendo Don Diego caindo de 4, perdendo-se nos dribles germânicos, vendo seu queridinho Messi, com seu cabelo em corte cuia e sua altura modesta, correndo no campo como um menininho que se perdeu da mamãe no shopping. Tanto ele como nosso querido técnico tiveram que engolir suas petulâncias caladinhos, caladinhos... É, Maradonna... parece que nos livramos de vê-lo peladão por aí. Voltem para casa no ritmo do tango. E podem até pegar uma carona, nosso avião deve estar saindo daqui a pouco. Mas voltem calados, em sinal de respeito, por favor. Porque, até para perder, nós somos muito melhores.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Já ERA, Dunga.


A era Dunga acabou. Assim esperam 190 milhões de corações zangados, indignados, chateados, e outras palavras não publicáveis. A Seleção brasileira, perdendo de virada para a Holanda, postergou o sonho do Hexa por mais, pelo menos, quatro anos. Da Copa na África ficou um grito engasgado, um choro de raiva contido, e uma torcida para que o Maradona não corra pelado.

É sempre chato perder uma Copa. Para brasileiros, é quase uma vergonha. Afora as tais belezas naturais, é talvez a única coisa palpável com a qual podemos nos gabar. Tiramos onda no mundo inteiro como o país da bola, os melhores, os únicos que carregam cinco estrelas no peito. Passada a ressaca da derrota, há reações que nenhum brasileiro pode ter a petulância de dizer sentir: incredulidade. Afinal, se ninguem gostava da seleção do Dunga, como esperar que fôssemos campeões?

Patriotismos temporários a parte, esse time não inspirava confiança em ninguém. E isso simplesmente porque não era a seleção brasileira, era a seleção do Dunga, que sempre chamou a responsabilidade para si das vitórias, mas na hora da derrota saiu de campo sem nem mesmo cumprimentar seus jogadores. Papelão, papelão...

Agora os meninos voltam para suas mansões com a derrota amarga nas costas. E o brasileiro, daqui a pouco, vai esquecer esse dia. A continuação do campeonato brasileiro vem aí pra separar os 190 milhões de torcedores em diversos times, camisas, torcidas. Viremos, novamente, todos inimigos dentro de campo, mas sejamos unidos e patriotas o suficiente em outubro, nas eleições. Porque os próximos quatro anos não serão o intervalo entre uma Copa e outra, mas a esperança para novos tempos no Brasil.

Parabéns aos jogadores raçudos que merecem os parabéns, todo mundo sabe quem são eles. E um puxão de orelha nos pseudo-atletas para os quais não fez tanta diferença assim envergonhar aquele brasileiro que, com dificuldade, doendo no bolso, comprou bandeirinhas, camisetas, enfeitou a casa e comprou a carne pro churrasco, a não ser o machucado em seu próprio ego milionário. Queremos uma seleção que honre a camisa, que nos dê orgulho, que nos faça voltar a acreditar que somos, sim, os melhores. Além disso, queremos um técnico com experiência em comandar times, que dê ouvidos, também, aos clamores populares, que respeite a imprensa, que se dê o respeito. Eles, os jogadores e o Dunga, continuarão cheios da grana, e nós continuaremos de saco cheio.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Saga Continua. Infelizmente.



É fácil entender por que a saga Crepúsculo virou uma febre mundial. Uma combinação muito precisa de fatores garantiu o sucesso: o desconhecido - um mundo onde criaturas fantásticas vivem clandestinamente, ao lado de seres humanos - o amor proibido, irresistível, arrebatador. De um lado, o lindo vampiro Edward, todo bom moço, nem sangue de gente ele bebe. É inteligente, educado, absurdamente bonito. E apaixonado. Do outro lado, Jacob, o lobisomem camarada. Ele é quente - muito quente - carinhoso, fiel, protetor, melhor amigo. E apaixonado. E no meio de tudo isso está o objeto de desejo de ambos: Bella. E Bella não é exatamente um poço de beleza, virtudes e qualidades inenarráveis, que faria com que seres quase humanos tão incríveis fossem capazes de renegarem e lutarem contra suas próprias existências por ela. Bella é the girl next door, aquela menina comum, que passaria despercebida em qualquer ambiente. E este é o grande atrativo: uma menina comum, uma menina qualquer, consegue fazer vampiros, lobisomens e homens cairem aos seus pés (ah sim, porque o coleguinha da escola também é super na dela.). Todas as leitoras se enxergam na pele de Bella. Vivem com ela esse amor arrebatador e errado com Edward. Se dividem entre amizade e paixão com Jacob. Jovens ou mais velhas, todas queremos ser Bella.

Os filmes da saga também são incrivelmente bem sucedidos por motivos muito específicos. Como resistir a uma alcatéia de belos corpos sarados e parcialmente despidos, exalando calor e conforto? Ou ainda, como não se sentir atraído por uma bela família de atores cuidadosamente maquiados para que sua brancura vampiresca seja encantadora, e não repulsiva? São belos rostos, belas lentes castanho-claras, bem vestidos e simpáticos. Você quase esquece que eles são mortos-vivos que podem, a qualquer momento, esquecer o "vegetarianismo" e atacar seu pescoço. Você quer quase socializar com eles. Frequentar a casa deles. Mergulhar e acreditar naquela história. Junte a isso efeitos especiais de primeira categoria, que proporcionam cenas de lutas de tirar o fôlego e lobos tão bem feitos que parecem saltar da tela pro seu colo na poltrona, além, é claro, da publicidade sufocante que só Hollywood sabe fazer, e pronto: você tem mais um grande sucesso de bilheteria, garantido por fãs que contam minutos, riscam os dias no calendário e esperam, ansiosas, aos berros e choros, pela materialização na tela grande dos ídolos que encontraram nos livros.

E eis o grande problema. Um erro fácil de se cair em adaptações literárias para o cinema, especialmente de incontestáveis best-sellers mundiais. Uma fórmula tão simples, que pega até os mais experientes produtores americanos: filme é filme, livro é livro. Um filme não pode ser feito somente para leitores ávidos e fãs neuróticos. Eles se bastam nos livros. O filme é uma extensão, um apêndice, um algo mais. E está nas salas de cinema para que qualquer espectador o assista, não só os fãs. Para isso, é preciso muito mais do que os atores bonitinhos, efeitos especiais bem executados e falas diretamente tiradas das páginas de papel: é preciso que prenda o espectador sendo um bom filme. Bom, cinematograficamente. E isso "Eclipse" não é.

"Eclipse" (The Twilight Saga: Eclipse, de David Slade, EUA 2010) é baseado no terceiro livro da saga de Stephanie Meyer que conquistou o mundo. Traz os mesmos atores e a mesma fórmula dos dois antecedentes, embora com uma nova direção. Dessa vez, o maestro é o britânico David Slade, que não conseguiu uma magia parecida com a de Chris Weitz, o diretor de New Moon, o segundo filme, e muito menos de Catherine Hardwick, que estabeleceu o tom em Twilight, e nos fez querer mais. David Slade nos fez querer que parasse por aí. O roteiro de Melissa Rosenberg é fraco e arrastado, salvo por uma ou duas falas mais engraçadinhas. Ela também assina os dois primeiros roteiros, mas em Eclipse, perdeu o ponto. Ele não consegue captar a atenção do espectador alheio à saga. Pula de uma situação para outra sem que se saiba exatamente o motivo, esquecendo completamente a coesão necessária para que uma narrativa seja levada adiante, com entendimento daquele que a assiste. O filme conta, sim, com bons atores, que alcançam consistentes interpretações, apesar da superficialidade do roteiro: Billy Burke, Ashley Greene, Peter Facinelli, Elizabeth Reaser, além das sempre ótimas Dakota Fanning e Anna Kendrick. Bryce Dallas-Howard é uma Victoria, a sanguinária vampira que quer se vingar de Edward, melhor do que Rachelle Lefevre jamais foi. Por último, os protagonistas: Taylor Lautner está melhor do que nos dois primeiros filmes da saga. Parece que conseguiu construir um Jacob com mais conteúdo, relevância, que faz com que o espectador entenda o conflito da protagonista. Ele é interessante, muito além do tanquinho definido. Robert Pattinson é um grande ator que o mundo ainda vai descobrir. Para isso, precisa deixar Edward para trás, o que só acontecerá depois de Breaking Dawn, o quarto e último livro/filme. Robert não é somente dono de uma beleza exótica, diferente das demais belezas masculinas que vemos no cinema. Ele é um ator profundo, versátil, que comunica com um simples olhar, e consistente em relação a Edward.

David Slade optou por usar muitos planos fechados em Eclipse. Aprende-se em qualquer cursinho de cinema que close-ups aumentam a dramaticidade, e aqui são amplamente utilizados, o que é perfeitamente compreensível quando se trata de Robert, Taylor, Bryce, Dakota. Eles dão sentido ao close-up. Mas não funciona com Kristen Stewart. Kristen continua fraca e sem carisma. Se não contasse com o sucesso prévio da personagem dos livros, jamais encantaria como Bella Swan. Há momentos em que Kristen parece pensar em decolar, mas é engolida por presenças muito mais marcantes e talentosas que dividem a cena. Sua interpretação é presa, dura, sem vida. Assim como Robert, talvez Stewart se descubra uma grande atriz ao final da saga. Mas não será, como o colega, por talento nato. Ela precisará de muita técnica e muito estudo para permanecer na A-List de atores americanos quando Twilight não mais existir em sua vida.

Eclipse será um grande sucesso de bilheteria. Os ávidos fãs dos livros irão amar. Os simples leitores ficarão parcialmente entediados. E aqueles que nunca nem mesmo folhearam os livros sentirão vontade de ir embora. É quando a narrativa se perde, o fio condutor da história - e a razão de ser da mesma - deixa de existir, e o espectador passa a se prender a outras coisas na tela, desviando sua atenção para os já mencionados artifícios fílmicos hollywoodianos para grandes sucessos. Com isso, Eclipse pode até ser uma representação eficaz para os fãs do livro, mas jamais será um grande filme.