sexta-feira, 18 de julho de 2008

"Eu bem que avisei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu." (Chico Buarque)

Passo o tempo. Enquanto o tempo passa, passo eu. O tempo passa sem mim enquanto eu passo pelo tempo. Vejo o tempo passar e espero. E é a inútil espera que mata o tempo, este que continua a passar ainda que eu não passe por ele. O que é a espera, além de crepúsculos que se somam sem acontecimentos frente ao meu olhar de memórias? Pelo que a espera é constituída, se nem eu mesma sei o que quero que venha? Sei, pois, muito mais do que eu não quero, e assim, a espera vai se fazendo de negações medrosas, de estranhos receios do desconhecido que me espera ali, a segundos, na rosa que nasceu, na gente que sambou, no barco que partiu...em tudo que ainda não tive, vi, vivi. Ainda negando, e ainda que negue, espero. Espero esperando um dia esperar sem negar; esperar pelo perpétuo, pela promessa do imutável ideal. Mais ainda, espero um dia não mais ver passar o tempo esperando, mas passar junto com o tempo. Ver o tempo passar na janela e saber, finalmente, que não preciso mais esperar.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Cada desgraça é um flash.

Dessa vez eu tive uma desculpa para o meu sumiço. Não que ela tenha muita credibilidade, porque sempre rola aquele ar de picaretagem, mas dessa vez há uma verdade maior. Todos sabem que sou uma universitária, correto? E como toda universitária, sofro com finais de semestres. Esse foi especial, ou pelo menos, especialmente atarefado. Um dos trabalhos de uma matéria que estou fazendo era cobrir o Cine Sul, o festival de cinema híbero-americano que rolou durante as duas semanas passadas aqui no Rio de Janeiro. Posso confessar eu gostei? De início, tive aquela leve preguiça de ir até o centro da cidade só para assistir primores como documentários colombianos e mexicanos, mas no fim das contas, felizmente, me surpreendi. Não pela qualidade do que assisti, mas pelo fato de que, volta e meia, acredito que é importante mesmo, para mim, assistir ao que os caras tão fazendo lá fora e que não tem tanta repercussão aqui dentro. Temos, sim, mais similaridades com nossos hermanos do que pensamos. Porém, apesar de ter assistido muita coisa dos nossos vizinhos aqui da América Latina, talvez o filme que mais tenha me agradado tenha sido um brasileiríssimo.
“Abaixando a Máquina – Ética e Dor no Fotojornalismo Carioca” é um documentário brasileiro de 2007 que joga os holofotes em um assunto que, embora passe pelas vidas dos cidadãos que abrem os jornais todos os dias, raramente torna-se foco de questionamentos: a vida dos fotógrafos que vivem de fotografar as cenas mais grotescas da realidade carioca, como a guerra do tráfico, a fome, a pobreza, e até mesmo enterros de totais desconhecidos, que vêm a ser as vítimas dessas calamidades.
Durante quatro meses, o diretor Guilhermo Planel e sua equipe entrevistaram um time de especialistas no assunto: os maiores fotógrafos dos maiores jornais do Rio de Janeiro, nomes como Alcyr Cavalcanti, Alaor Filho, Alex Ferro, Alexandre Brum, André Teixeira, Berg Silva, Carlo Wrede, Custódio Coimbra, Daniel Ramalho, Domingos Peixoto, Estefan Radovicz, Evandro Teixeira, Flávio Damm, Gabriel de Paiva, Ignácio Ferreira, Ivo Gonzalez, João Laet, Luis Alvarenga, Luis Morier, Marcelo Carnaval, Marcelo Franco, Marcia Folleto, Marcos Tristão, Michel Filho, Nilton Caludino, Orlando Abrunhosa, Patrícia Santos, Severino Silva, Uanderson Fernandes e Wilton Jr. Além de entrevista-los, a equipe acompanhou alguns deles em seus dias de trabalho, inclusive colocando-se no meio do fogo cruzado de um tiroteio entre traficantes e policiais, o que não só confere ao filme um caráter realista, mas promove uma sensação de tensão no espectador ao assistir as imagens confusas, misturadas aos sons de tiros e gritos, o que tira de tal situação o status da “realidade próxima” que não está tão próxima assim, uma vez que só participamos dela lendo os jornais, e nos insere dentro da mesma, causando um desconforto, e até um medo em relação ao que pode estar por vir.
Fazendo jus ao gênero, “Abaixando a Câmera” se constitui de entrevistas e depoimentos, misturados às próprias fotos da dura realidade a qual o filme retrata. A luz utilizada é primordialmente natural, sem grandes efeitos, e as imagens do dia-a-dia dos fotógrafos são filmadas com a câmera na mão, sem preocupações estéticas mais elaboradas. O filme é eficaz quando se propõe a emocionar o espectador, ao colher depoimentos igualmente emocionados dos próprios fotógrafos e ao chamar atenção para o fato de que por trás das lentes da objetiva há um ser humano que também sofre e sente com as situações, e que precisa se dividir muitas vezes entre ajudar o fotografado vítima da crueldade, papel do cidadão de bem, e exercer seu trabalho e fotografar a crueldade, papel do jornalista. Os pré-julgamentos que porventura podem vir a surgir, como o argumento de que os jornais estão mais interessados em vender a realidade cruel do que ajudar a consertá-la também são postos em tela. Deixando os princípios capitalistas imutáveis de lado, os próprios profissionais fazem questão de deixar claro que o maior intuito individual de cada um deles (o que inclusive é, também, um impulso para eles continuarem fazendo o que fazem) é ajudar a mudar a realidade, uma ajuda que pode vir ou não a partir do momento em que estampa-se o absurdo que se passa em lugares como a Baixada Fluminense nas primeiras capas dos jornais, valendo-se menos do sensacionalismo e mais do sentimento de revolta. Infelizmente, porém, a população num geral está tão acostumada com tais manchetes que não mais se comovem, pelo menos não a nível de querer fazer algo, com elas. Uma vez que um documentário, por mais imparcial que se proponha a ser tem, como qualquer arte, um toque do seu realizador ao fundo e, por isso, jamais conseguirá ser totalmente imparcial, percebe-se que o filme apóia essa idéia de que os profissionais do fotojornalismo não vendem a crueldade, beneficiando-se dela, mas procuram, a seu modo, mudá-la, principalmente ao colher depoimentos também de psicanalistas, como uma doutora que afirma que “O obsceno está na realidade, não na foto.”.
Assim, tomamos contato, senão pela primeira, por uma das primeiras vezes, com os seres humanos que existem por trás de cada foto. Seres humanos que deixam suas famílias todos os dias para enfrentar as piores e mais perigosas cenas, e o filme também apela para esse lado clichê e sentimental, ao retratar os fotógrafos com suas imagens de São Jorge no bolso e outros amuletos de proteção. Ainda assim, seres humanos que se arriscam como kamikazis em prol de um clique perfeito, mas que não deixam de se questionar. E as mesmas questões que eles possuem são as que “Abaixando a Câmera” nos deixa: Qual a capacidade que essas fotos possuem de nos comover? Será que a quantidade de sangue derramado e fotografado é diretamente proporcional ao choque no leitor? Qual é o limiar entre o exibicionismo e o “lucrar com a desgraça” alheia e a tarefa da exaustiva tentativa de alertar o povo, com a melhor das intenções? Afinal, qual é o momento de “abaixar a câmera”, ou seja, aquele momento em que todo e qualquer profissionalismo precisa sucumbir e dar espaço à ética, ao respeito e à cidadania. Pessoalmente, saí do cinema com essas e várias outras questões que até hoje não foram respondidas na minha cabeça, e realmente acredito que o filme se propôs menos a achar respostas e mais a implantar perguntas. O que é certo é que entendemos que a profissão do jornalista, uma vez que maneja a realidade ao escolher qual cena retratar, qual ângulo escolher, qual lente usar, ou seja, qual viés da informação passar para a sociedade num geral é tão importante que chega a ser perigosa. Por fim, a certeza com a qual saímos é a que um toque é igualmente crucial se dado em um botão de máquina fotográfica ou em um gatilho. As conseqüências é que, preferencialmente, serão distintas.
ps: Os trabalhos de fim de semestre continuam. Não, ainda não estou de férias. Damn it.