segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

"Desculpe, senhores. Mas não há filme algum."


Odeio odiar musicais. Algumas das mais deliciosas lembranças da minha infância envolvem longas e longas horas, assistindo repetidas vezes a clássicos como Mary Poppins, Singing in the Rain e The Sound of Music, que preenchiam meus sonhos infantis com beleza, candura, esperança. O período de burra escassez de muscais em Hollywood depois do fim da Era de Ouro contou com nomes como Rob Marshall e Baz Luhrmann para que seu fim fosse anunciado, quando corajosamente esses dois diretores entraram nos projetos Chicago e Moulin Rouge, ambos bem sucedidos criticamente e presenteados com prêmios da Academia. Até mesmo o multi-talentoso Kenny Ortega, com seus High School Musicals, teve um papel fundamental em introduzir a cultura dos musicais nas novas gerações.

Assim, estava muito empolgada e ansiosa para ver Nine, o novo musical de Rob Marshall. Com um elenco de estrelas como Nicole Kidman, Penelope Cruz, Sophia Loren, Judi Dench, Kate Hudson, Fergie, Marion Cotillard, e o absurdamente genial Daniel Day-Lewis no papel principal, Nine tinha tudo para ser um estouro. Visualmente impecável, bela fotografia, ótimas atuações, e uma trilha sonora que faz com que seja impossível você não sair do cinema cantando "Be italian" ou "Cinema Italiano", extasiado com a beleza visual desses números, que pulam da grande tela e espancam seus olhos e sentidos, fazendo você querer mais. Além disso, a história de um famoso diretor de cinema italiano, Guido Contini (Day-Lewis), que ao se ver no meio de uma crise de inspiração a dez dias do início de seu mais novo projeto, passa a ser atormentado pelas presenças femininas marcantes em sua vida enquanto tenta escrever uma história, é baseada no filme Fellini 8 1/2, do grandioso Federico Fellini, de 1963. Marion é sua enganada esposa. Penelope é sua quente amante. Sophia (como sempre, preenchendo a tela com toda sua grandeza), é sua falecida mãe. Judi, sua fiel figurinista. Kate, uma impetuosa jornalista de moda. Fergie, uma prostituta que atormentava sua mente quando era menino. E Nicole, sua atriz preferida, sua musa inspiradora. O que poderia, então, dar de errado, em um enredo tão irresistível?

Exatamente aí está o problema. O enredo irresistível está no fato de falarmos sobre ele. Tudo bem que, dizem as mais línguas, 8 1/2 não tinha roteiro. Mas não era de forma gratuita. Existia um motivo conceitual para que isso ocorresse, coerente com a época do filme, a escola à que ele pertencia, e ao próprio diretor. Não é o caso em Nine. Não é possível fazer uma superprodução hollywoodiana sem roteiro. Simplesmente é incabível. E, tirando os números musicais, Nine se resume a uma narrativa arrastada, sem um começo, meio e fim, totalmente descolado do que ele se propunha a ser: um musical de Hollywood. Um musical dirigido por Rob Marshall, o aclamado "novo Bob Fosse". Um musical com alguns dos maiores nomes do cinema atual. A "falta de história", a carência de narrativa sólida, e a simples jornada inssossa de um diretor por um período de seca criativa daria certo em um cinema alternativo. Não consigo, simplesmente, entender por que, volta e meia, algumas pessoas ainda insistem em tentar realizar feitos que, evidentemente, não vão funcionar. Não são passíveis de bons resultados com uma platéia que não espera essas inovações. O que resulta em um espetáculo visual bonito, porém vazio. Um filme que se apóia muito simplesmente em dois ou três números musicais, e em seus grandes nomes, para que alguem prestasse alguma atenção nele. Não é a toa que Nine não conquistou, da maneira esperada, público e crítica. É uma pena, realmente, mas a frase do título desse texto, uma das falas de Guido, é ironicamente resumitiva. Nine não preencheu meus sonhos. Nine me deu sono.