terça-feira, 18 de março de 2008

The show's over, folks .... (or not.)

“Somos a nação mais hipócrita do mundo quando o assunto é sexo. Em matéria de sexo, nos comportamos como brasileiros e falamos como vaticanos. Não estou ofendendo, estou?”. O comentário anterior saiu da boca de Alan Dershowitz, professor de Direito de Harvard, diante do Escândalo Spitzer. Dois comentários. O primeiro: relaxa, Alan ... é claro que você não está ofendendo. Mais hipócrita do que você diz que os americanos são, seríamos nós, brasileiros, que achamos super normais aquelas bundas de fora cheias de purpurina rebolando em frente às câmeras no carnaval, se ficássemos ofendidos com o seu comentário. O segundo: qual é o escândalo do Escândalo Spitzer? Alguém ainda se assusta com escândalos sexuais, na política ou em qualquer outra esfera? Ou essa indignação toda é, sozinha, a maior hipocrisia sexual?
Talvez meus olhos de brasileira, e ainda mais, de carioca, estejam (mal) acostumados a ver tanta nudez despropositada o tempo todo. Acho já tudo muito normal. E não me tomem como falsa moralista, tenho nojo eterno de falsos moralistas, por isso que estou me deleitando com esse bafafá do governador de Nova York e, ao mesmo tempo, não consigo compreender o cerne da estória. Cada vez que um político é flagrado em uma situação, digamos, pouco aceita e/ou aceitável no que diz respeito a conduta moral, principalmente sexual, as pessoas arregalam os olhos e, surpresas e chocadas (?), esbravejam que não conseguem acreditar. Não conseguem acreditar em que? Desde quando a política é um santuário de homens e mulheres bentos, perfeitos, sem falhas, sem perversões, sem taras? A política ainda é feita de seres humanos, ou eu estou totalmente por fora? E não me entendam mal, não estou defendendo o Spitzer, nem Renan Calheiros, nem o Clinton, nem nenhum dos outros milhares de senhores respeitáveis, representantes do povo (tal designação nunca foi tão coerente) nos Governos. Estou simplesmente me questionando qual é a grande surpresa. Podem me dizer que tal reação ocorreu dado o passado político do Spitzer, como um dos maiores defensores da ética americana, procurador-geral do estado durante anos, que, inclusive, ajudou a estourar uma rede de prostituição e a endurecer a lei que punia cidadãos que procurassem prostitutas. Pelo que fiquei sabendo, Spitzer construiu durante anos uma imagem de puritano, bem casado, que zelava pela ética e pela lei acima de qualquer coisa. Sério, é por isso que as pessoas se assustaram? Porque essas causas de assombro para a maioria são, pra mim, os motivos primeiros para eu desconfiar. Das duas uma: ou é ingenuidade ou hipocrisia. Não creio na primeira, porque já estamos calejados o suficiente, e ninguém pode ser tão ingênuo a ponto de acreditar que existam seres humanos perfeita e moralmente intocáveis assim. Todo mundo, e enfatizo, todo mundo mesmo, tem poeira embaixo do próprio tapete. Simplesmente porque somos todos seres humanos constituídos de, como já diria o título desse blog, neuroses e desejos. E por mais que se defenda a ética e os bons costumes, todos são passíveis de erro. Ouso dizer, ainda, que aqueles que defendem, principalmente publicamente, a moral e a lei são ainda mais passíveis do tal erro, porque reprimem demais aquilo que sentem. Bato o pé no chão e insisto que é tudo um bando de hipócrita. Particularmente, sigo no meu credo de que não ponho minha mão no fogo por absolutamente ninguém. Quando se espera demais de algo ou alguém, frequentemente o fim é a decepção. Já foi dito que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, e eu digo mais: sem hipocrisias, sem falsos-moralismos, sem querer vender imagens de puritanos porque isso não cola...cada um sabe a dor e a delícia, os riscos e os prazeres, de querer o que se quer, ainda que, e talvez especialmente, diante de olhos públicos atentos e ansiosos por mais julgamentos superficiais...e cheios de segundas intenções.

Obs: Spitzer renunciou ao cargo, e o novo governador de Nova York, David Peterson, é praticamente cego. Ele não enxerga absolutamente nada com o olho esquerdo e tem apenas 5% da visão no olho direito. Até aí tudo bem, se não fosse o fato de que ele não lê em braile e nem usa bengala para se guiar. É sério, só rindo. Os vizinhos lá de cima se superam a cada dia que passa.

domingo, 16 de março de 2008

Promessa de vida no meu coração.

As águas de março chegaram para fechar mais um verão da Cidade Maravilhosa. Neste fim de semana, uma chuvinha ininterrupta caiu sobre a cidade, fazendo os cariocas guardarem as roupas de praia na gaveta e, pela primeira vez em um bom tempo, tirarem os casacos do armário. Mais um verão se foi, como outros 21 verões em minha vida, e eu me questiono o que mais essa estação levou de mim além de mais um pedaço dessa juventude que cisma em persistir. Não consigo pensar em nada de significativo o suficiente que tenha ficado no passado junto ao sol e ao sal, apenas o novo que a nova estação tem me trazido. Entra ano e sai ano e a rotina nunca é a mesma, e nem poderia ser. Por mais que freqüentemos os mesmos lugares, façamos as mesmas atividades todos os dias, tudo muda...tudo mesmo. As pessoas que passam por nós nas ruas não são as mesmas, as cenas que vemos pelas janelas dos ônibus e carros são novas a cada dia, e há sempre personagens entrando e saindo de nossas vidas. Uma estação nova chegou trazendo a velha-nova rotina não só para mim, mas para todos que me cercam. Pelo menos é o que tenho observado nessa minha incontrolável mania de achar que consigo estudar pessoas por meio de suas atitudes, gestos, atos, olhares. O emprego e o chefe chato estão sempre lá, mas a cada dia há uma situação nova com as quais temos que lidar, o que nem sempre é fácil, mas a gente vai levando. A busca pelo amor de nossas vidas, se é que há mesmo um só (ou, mais ainda, pelo menos um) amor em nossas vidas se repete e não pára, sempre com um novo personagem, uma nova dramatização e, é claro, um novo drama. Os dias, as noites, os momentos, todos eles vão passando e são sempre novidade no nosso bom e velho dia-a-dia. Se aceitamos que as estações passam, se aceitamos guardar as lembranças do verão no conforto das fotos de nossas máquinas digitais, se aceitamos trocar as roupas leves pelas pesadas que o frio pede, por que muitas vezes relutamos em aceitar o que mais passa em nossas vidas? Talvez porque não percebamos que, como as estações, é preciso que tudo passe para que haja renovação, mas ao mesmo tempo, que nada passa em definitivo. Ficam mais do que os sorrisos e bronzeados das fotos. Ficam mais do que as lembranças das boas farras de verão. Ficam mais do que o emprego, o chefe chato, mais um amor que nos deixou. Ficam as lembranças eternas, e o impacto que as causas delas tiveram sobre nós. Porque a verdade é que somos, sim, um somatório de tudo aquilo que vivemos, conhecemos, vemos, experimentamos, amamos, deixamos para trás. E em uma cidade como o Rio de Janeiro, o verão é muito mais do que um pedaço do ano. Daqui a pouco a chuva e o frio percebem que aqui não é o lugar que mais combina com eles, e o sol reaparece em pleno outono carioca, voltando a conferir cor e energia à cidade. E assim vamos levando, porque o que nos conforta é saber que o clichê não só existe como é real: não importa o que passe e o que fique, aquilo e aqueles que amamos jamais passarão por completo. Eles ficarão, eternos, nas lembranças, nas marcas na pele, nas conversas, nas fotos e, se tivermos um pouquinho de sorte, dentro dos nossos corações.

terça-feira, 11 de março de 2008

BASTA. ( texto publicado no livro da UNESCO, "Como Vencer a Pobreza e a Desigualdade")

Basta andar pelo centro de alguma grande cidade brasileira. Basta ter olhos para ver. A desigualdade e a pobreza estão por todos os lados, estampadas em cada esquina, em cada favela, em cada mansão. Essas chagas que corroem cada vez mais intensamente a integridade do Brasil já viraram até rotina. São evidenciadas nas páginas de jornais quase que diariamente e fazem parte do cenário das ruas país afora. Por terem se tornado rotina, as propostas para acabar com elas já viraram clichê, já são lugar comum. Por isso, fugir do óbvio é difícil. Cair na repetição e vender a idéia de que a educação é a solução pra tudo se torna extremamente atrativo, uma vez que, ao analisarmos mais profundamente o problema, vemos que as vertentes e causas desses males são inúmeras e complexas. Ainda assim, é necessário faze-lo, pois são nelas que pode residir a real solução.
Tão grave quanto a existência dos problemas é ignora-los. A resolução destes está nas mãos daqueles que teimam em fingir que, ao cercar-se de grades em seus condomínios e artefatos de segurança, eles deixam de existir. Se não vemos o menino de rua, ele deixa de estar no sinal vendendo bala. Isso porque são as classes mais altas que possuem a educação e formação necessárias para tomar decisões, decidir o rumo do país. Porém, talvez por comodismo, não o fazem. A pobreza de bens materiais, de comida, existe em muito por causa da pobreza de altruísmo e solidariedade existente no Brasil. Somente em raras ocasiões, como no natal,o espírito de caridade floresce e os olhos se abrem para enxergar aquele que não tem nada, e é confortável enganar-se, achando que dar um prato de comida e um agasalho resolvem a situação.
Ao mesmo tempo, é comum a restrição do assunto desigualdade como se somente a sócio-economica existisse. Esta é, sim, mais evidente, já que temos constantemente contato com os índices discrepantes de distribuição de renda no Brasil, e com ela já fazendo parte do nosso cenário. O que não se percebe, porém, é que esta se dá, em muito, pela desigualdade de oportunidades. Se houvesse uma melhoria na educação pública de base, haveria uma igualdade maior na entrada para o ensino superior e conseqüente obtenção do diploma, requisito quase que fundamental hoje para a entrada no mercado de trabalho. Dessa forma, a disputa seria mais justa, com igualdade de oportunidades, e a desigualdade social deixaria de ser quase que uma marca de nascença para tantos.
Dessa forma, fica claro perceber que o vértice que estamos acostumados a lidar sobre os problemas abordados é somente a ponta do iceberg. É certo que a pobreza faz o estômago e o coração doerem, mas é o olhar pobre para com o próximo que piora a situação. Ao mesmo tempo, a desigualdade social é injusta mas não existe nem mesmo uma igualdade de oportunidades para haver justiça. Exterminar de vez tais doenças é utópico, uma vez que vivemos em um sistema que exige a existência da desigualdade para sobreviver. Podemos, sim, ameniza-las. Precisamos parar de insistir do clichê de que “o que os olhos não vêem o coração não sente.” Não só sente, como grita. Basta da solidariedade temporal. Basta da educação de base precária que limita a igualdade de oportunidades. Basta de venda nos olhos e elitismo. Basta, somente. E definitivamente.