terça-feira, 31 de março de 2009

"Eu ando sempre pra sentir vontade."

Na primeira vez que a ouvi, no rádio, há alguns meses, de cara essa música me encantou. Era a boa e velha poesia de Marcelo Camelo, da qual tantos fãs, órfãos de Los Hermanos, são constantemente saudosos. Meu espanto veio quando a parte de Camelo acabou e a voz que entrou não me era estranha, mas eu não sabia localiza-la nos cantos recônditos da minha mente. Depois reconheci. Era aquela menina que cantava “If you come over I will say thubaruba...”, que teve mais de um milhão de acessos no My Space... Mas qual era o nome dela mesmo?
Mallu Magalhães, como o locutor me elucidou depois.

Chegando em casa fiz o download, e desde então a ouço sempre. Acho bonita, cheia de propriedade e, acima de tudo, com uma profundidade e um pesar enormes. E a tristeza, assim como a alegria, pode ser belíssima. Por estes motivos, desde que ela entrou por meus ouvidos e em minha vida, me questiono o por quê de seu nome ser “Janta”. Essa palavra, nem nenhuma correlata, aparece vez alguma na letra. Como artista único que é, Camelo bota a galera pra pensar. Talvez por isso cada um tenha uma explicação ou teoria particular. Eu tenho a minha.

“Janta” fala de despedida, de adeus, de abdicar de algo e deixar nas mãos da Vida. Fala da dualidade que, volta e meia, corrói todos nós: a vontade versus a temperança. O “querer” versus o “dever”. E quando não há realmente saída, quando a encruzilhada se forma diante dos olhos, só resta entregar a algo fora de nós, talvez maior, talvez mais etéreo, o nosso próprio destino. Mas ao fazermos isso, ao entregarmos nossa Sorte à Vida, a Deus ou ao que quer que seja, ao nos reservarmos do poder de decidir o que virá, temos, aí, uma gota de esperança. Talvez esse “infinito” possa nos trazer respostas que não conhecemos, possa nos levar a lugares novos e bons, possa escolher para nós uma sina melhor, mais feliz. Assim, consentimos. E a música retrata exatamente esse depósito de esperança no destino, diante da impossibilidade de continuar-se da maneira que está.
Janta, no sentido literal, é isso. O jantar é, através da história, um momento de celebração e, muitas vezes, de despedida. Almoços de casamento ou de aniversário não são tão elegantes, ou têm tanto significado subjetivo, quanto jantares de casamento ou de aniversário. Na Bíblia, a última refeição não foi o café-da-manhã.
A janta tem angústia. Tem ares de finalidade. É na hora do jantar que nos recolhemos para um fim, e a esperança de um começo. O fim de mais um dia. E o começo de um outro, no seguinte. Se ele virá, não sabemos. Esperamos, somente.


Mas de que vale a minha opinião? Eis o poeta, em sua melhor forma:

JANTA
(Marcelo Camelo e Mallu Magalhães)

Eu quis te conhecer
Mas, tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o “não dá”...
Pode ser cruel a eternidade
Eu ando em frente por sentir vontade.

Eu quis te convencer
Mas, chega de insistir
Caberá ao nosso amor o que há de vir...
Pode ser a eternidade má
Caminho em frente pra sentir saudade.

Paper clips and crayons in my bed
Everybody thinks I am sad
I take a ride in melodies and bees and birds
Will hear my words
Will be both us, and you, and them… together.
‘Cause I can forget about myself
Trying to be everybody else
I feel alright then we can go away
And please my day…
I’ll let you stay with me if you surrender.

Eu quis te conhecer
Mas, tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o “não dá”...
Pode ser a eternidade má
Eu ando sempre pra sentir vontade.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Tapa na cara.

Me preocupa o fuzuê que Ele Não Está Tão A Fim De Você (He’s Just Not That Into You, de Ken Kwapis, EUA 2009) tem causado, principalmente junto ao público feminino. Baseado em um Best Seller americano - nada mais do que um livro de auto-ajuda que promete às mulheres o tão esperado entendimento do comportamento masculino - o mesmo chegou aos cinemas com um time de estrelas de primeira grandeza da Hollywood atual, o que, junto com a narrativa melosa e engraçadinha, garante o sucesso de bilheteria. Jennifer Aniston, Ben Affleck, Drew Barrymore, Jennifer Connelly, Scarlett Johansson e a simpática Ginnifer Goodwin, entre outros, têm suas histórias de vida cruzadas, nas aventuras e desventuras de relacionamentos amorosos.
Tendo alguma noção sobre o assunto, uma vez que não passei os últimos quatro anos de minha vida estudando cálculos matemáticos ou fórmulas químicas, posso dizer com uma certa autoridade: Mulheres do meu Brasil, acalmem-se. Isso é SÓ um filme.
Filmes são filmes. Até os que recontam histórias verídicas continuam, indefinidamente, sendo filmes. São obras ficcionais, com fórmulas e facetas narrativas e visuais previamente pensadas para alcançarem um ou outro público, uma ou outra reação. E pra conseguir dinheiro, é claro. Afinal, Cinema, além de arte, é indústria e comércio também. Os personagens, por sua vez, não são pessoas reais. Em um roteiro, eles são construídos de forma que adotem arquétipos bastante específicos, e possam ser mais naturalmente apontados pelo público com personalidades fechadas e peculiares. Já disse isso aqui mesmo no blog, e repito: as pessoas, na vida real, são muito mais complexas do que isso.
Ele Não Está Tão A Fim De Você é pautado em explicações de por quê os homens fazem o que fazem. Porém, embora tudo acabe bem, uma vez que é uma comédia-romântica americana, ele se baseia em afirmações que podem ser interpretadas quase como uma Constituição pelas mentes mais desavisadas. Tudo bem que certas coisas não precisam de muita indagação: Se o cara não te liga é porque, realmente, ele não está a fim de te ligar. Se ele quiser te ligar, quiser te ver, te encontrar, ele vai dar um jeito. Não tem essa de trabalho demais, viagens a negócios aqui, compromissos profissionais ali. Muito menos a ladainha de “não estar pronto para um relacionamento sério” ou “estar com medo de se envolver.”. Sou uma pessoa que tem muitos amigos homens, e de algumas coisas eu simplesmente sei. Em primeiro lugar, homens não pensam como mulheres. Em segundo lugar, quando o cara está realmente a fim da mulher, ele faz acontecer. O tal do orgulho pode até retardar um pouco o processo, mas não o elimina de vez. A grande questão é que não é necessário um livro, ou muito menos um filme, para nos dizer isso. A vida se encarrega de nos ensinar. Se você que está lendo esse texto é mulher e ainda insiste em discutir com isso tudo, você só está se enganando e, mais cedo ou mais tarde, com um ou mil tapas da vida na cara, você vai aprender.
Porém, quando se trata de amor, carinho, paixão ou o nome que for, não existe lógica. Não se trata de aritmética, física quântica, ou muito menos um processo legal, no qual os argumentos são objetivos, retos, racionais. Em matérias do coração, muitas vezes a racionalidade vai por água abaixo, pois como amor não se explica, é comum termos que decidir pautado simplesmente no que sentimos. É subjetivo, irracional, conturbado. O que faz uma pessoa feliz é diferente do que faz a outra, e assim vai. Por isso, não comprem todas as idéias que o filme vende. Encarem-no como uma leve diversão, exatamente o que ele tem que ser – e é. Não pensem que ali estão grandes lições de vida, os segredos da alma masculina e, menos ainda, as regras e as exceções a elas. Não há exceções, simplesmente porque não há regras. O que vale, no fim das contas, é arriscar. E não perder as esperanças ou se deprimir com fórmulas pré-estabelecidas.

Mas ainda assim, não esperem plantadas ao lado do telefone, ou confiram suas caixas de e-mails várias vezes por dia se ele não te procurou. Partam pra outra se o cara começar a dar desculpas demais. Não há nada mais deprimente do que uma mulher que insiste em mentir pra si mesma.

No fim do dia, você vai perceber. Ele não está tão a fim de você.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Minha alma canta...

O carioca de verdade, nascido e criado, ou como a expressão popular qualifica, "carioca da gema", morre de amores por essa cidade que, não a toa, é chamada de Maravilhosa. Chega a ser irritante e metido. O carioca gosta de ter a pele bronzeada, de falar arrastado e forçar o "s" com som de "x" quando está perto dos não-cariocas (porque pra nós, quem não é daqui é simplesmente não-carioca), se gaba por poder assistir o pôr-do-sol na praia - em qualquer praia - quando ele tiver vontade, sabe o gosto exato que tem o mate de latão com suco de limão, conhece de cor o roteiro dos bares da Zona Sul e a rota dos sambas da Lapa, e já até enjoou de biscoito Globo. Só o carioca consegue ouvir uma música de Tom Jobim, como Corcovado e Samba do Avião, e pensar "eu sei exatamente do que este cara tá falando...".
Além disso tudo, o carioca de verdade conhece e lamenta todos os problemas do Rio. Sabe que a favelização enfeia o que Deus parece ter pintado a mão. Sabe que a violência e o tráfico são um câncer quase em estado terminal. Sabe que se sair de carro as 7h da manhã ou as 17h da tarde vai demorar pelo menos duas horas pra chegar em casa, com o trânsito infernal que tem se instalado diariamente por aqui. Particularmente, trânsito me irrita de uma forma avassaladora, embora eu saiba que o problema aqui não chegue nem perto de outras capitais. Mas voltando para casa dia desses eu me deparei com um enorme no Aterro do Flamengo. Comecei a me irritar, a fumar cigarros seguidos, a trocar freneticamente a música que tocava, a xingar todas as pessoas do mundo...e parei. Parei porque olhei pro lado e o que eu vi foi mais ou menos o que as pessoas que atingem o Nirvana na meditação devem sentir. O que vi foi o Pão de Açucar banhado por luzes do fim de tarde, conferindo-lhe cores únicas. Ao redor dele, a Enseada de Botafogo cheia de barquinhos que parecem de brinquedo. E para coroar, um belo pôr-do-sol que, tenho certeza, estava ali só pra me dizer que se eu tiver um pingo de vergonha na cara eu tiro toda a irritação de dentro de mim. Afinal, olha só onde eu moro!

quarta-feira, 25 de março de 2009

Eu te odeio. Odeio tudo que vem de você. Odeio sua inconstância, suas mentiras, e a mentira que eu criei sobre você. Odeio sua falta de senso, de sensibilidade, sua indiferença. Odeio as palavras que você falou e eu acreditei. Odeio o som da sua voz tão perto e tão distante. Odeio a distância que você implantou, mais ninguém. Nem Deus, nem o Homem. Você.
Odeio os últimos tempos que passei aos pés da fantasia idílica da sua presença. Odeio as memórias, odeio os momentos. Odeio como você se comporta. Odeio o fato de que você não conseguiria nem em mil anos distinguir a ridícula diferença entre Hitchcock e Bertolucci. Odeio sua falta de interesse, sua falta de hombridade. Odeio as brincadeiras infantis que você fez. Odeio você ter cogitado a possibilidade de alguém ser melhor pra você, e odeio você ter comprado essa idéia. Odeio pensar que eu escrevo textos e leio poesias enquanto você liga para outro alguém, que não eu. Te odeio por ter me feito de idiota, boba, ridícula. Te odeio por ter bagunçado a minha vida, virado tudo de cabeça pra baixo. Te odeio por ter despertado em mim um sentimento que estava enterrado há tanto tempo, e que não precisava ressurgir agora. Te odeio, pois, por ter saído da minha vida como se nada tivesse ocorrido, nada tivesse falado, nada tivesse sido existido.

Te odeio muito, todos os dias.
E isso tudo porque, na verdade, eu te adoro demais. E por eu ter que gostar mais de mim, e por não poder mais gostar de você, eu te odeio. E preciso repetir todos os dias para mim mesma que te odeio. Odeio, odeio, odeio.

E ter que te odiar é, por fim, a máxima exaustão que eu já vivi.

terça-feira, 10 de março de 2009

Não leia esse post. Desligue a internet e vá dar uma espiadinha.

Todo início de ano é a mesma coisa. Somos bombardeados por anúncios que avisam, como se não perdêssemos por esperar, que a casa mais vigiada do Brasil está de volta. Eu realmente não espero, e juro que até esqueço que o Big Brother existe. E sempre clamo pelos quatro cantos que não vou assistir. Perda de tempo, futilidade.
Mentira.
Eu sempre acabo assistindo.

Continuo achando perda de tempo e futilidade, muito embora seja tiete do Bial e sei que, pelo menos dali, sai alguma coisa útil. Em sua nona edição, os participantes são exatamente os mesmos de todas as outras: O canalha, a gostosa, o estrategista, a burrinha, o injustiçado. Estereotipadas, essas personagens vão se configurando com ajuda bastante solícita de uma edição bem pensada. Com isso em mente, percebe-se uma vontade enorme por parte da direção de inovar, divertir de forma diferente, chocar. E milhares de cartas são tiradas da manga e enfiadas dentro do confinamento. Quarto branco, dois paredões em uma semana, xepa, casa de vidro, voto aberto. Até uma vovó simpática inventaram dessa vez.

O que me atrai no Big Brother, porém, é muito mais grave. Confesso de cara limpa, pois tenho certeza que muitos espectadores pensam da mesma maneira, embora não o falem, ou nem mesmo realizem este fato. Justamente pela construção de estereótipos e arquétipos maximizados (aqui sem absolutamente nenhuma relação com um dos integrantes da casa.) de alguma forma nos relacionamos interiormente com aquelas pessoas. Nos colocamos em seus lugares, nos vemos naquelas situações. E, porque eles invadem deliberadamente nossas casas todos os dias, nos sentimos íntimos e no direito de julgarmos suas atitudes, noções de justiça, casos, discussões, comportamentos, até mesmo forma física. “Fulana engordou tanto...”. Será que nós mesmos não engordaríamos? Não combinaríamos voto? Não entenderíamos mal algum fato? Não pré-julgaríamos de maneira errônea? Não encheríamos a cara e dançaríamos até o chão? Não iríamos pra debaixo do edredon? Não teríamos aquela pessoa com a qual simplesmente não vamos com a cara e faríamos de tudo para vê-la fora dali?
Dentro de nós há o diabinho que diz: “antes ele do que eu...”.

O problema é, ao enxergarmos ali personagens, e não pessoas, esquecemos que elas são como nós e, por isso, são passíveis de erros, acertos, e um bocado de bebedeiras. Só que as deles são regadas a Champagne.

Em jogo, não está fama. Ninguém fica realmente famoso por muito tempo depois do Big Brother (com exceção da Grazi, talvez.). Ok, em jogo está uma capa da Playboy ali, uma visita na Ana Maria Braga e no Faustão aqui, quando muito uma meia dúzia de propagandas acolá. Mas, acima de tudo, em jogo está um milhão de reais. E é nisso que penso toda vez que aponto o dedo pra condenar algum dos participantes.

Mas condeno, mesmo assim.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Entre clichês e saudades.

Uma das frases mais clichês e usadas no Orkut (não gosto do termo “site de relacionamentos...Orkut é Orkut, é besteira mesmo.), é aquela que diz que “quem inventou a distância nunca sentiu saudade.”. E eu sou naturalmente inclinada a um bom clichê, principal e estritamente quando bem colocado.

A saudade é, ela mesma, um assunto que ronda muito do que penso e escrevo. A parte boa dela, inclusive. Porque é gostoso sentir saudades do bichinho de infância que morreu, saudades dos tempos de colégio, saudades daquele amigo que você perdeu o contato pela vida. Saudades de uma festa, de um aniversário, do primeiro beijo, de um presente de natal. Um dos textos que mais gosto sobre saudade é um do Miguel Falabela, que diz que saudade é não saber. Não saber dele, ou dela, e ainda assim doer. É lindo. Google Falabela. É certo!

Mas a saudade que de fato incomoda no peito é a saudade de uma paixão, porque ela acontece, na grande maioria das vezes, quando o fogo de uma das partes apagou, ou diminuiu a chama. E ao outro, só resta a saudade. Não é uma saudade gostosa. É uma saudade que angustia, que dói. É a saudade do sentimento como ele era no início, do tanto de coisas que não chegaram a acontecer e que, mesmo assim, deixaram saudades. É a saudade que sinto agora.

Saudade de quando brincava de princesa, de quando brincava de futuro. De gostar de acreditar em meias palavras, em migalhas de atenção. De botar toda a fé existente em meu coração em algo que em si contradizia todas as regras do famoso “pode dar certo”... mas pra mim dava, fazer o que? Saudades de ter o poder de transformar a distância em somente um número, um coeficiente, uma análise física. Porque no final das contas a distância tem, sim, o excruciante poder de separar dois corpos, mas ela é ínfima na tarefa de separar duas almas. O poeta já dizia: “Eu sei, e você sabe, que a distância não existe.”. Alguem vai discutir com Tom Jobim?

Saudades, também, de me fazer rir com os amigos mais próximos, incrédulos como eu na ironia da minha própria vida, pois me conhecem até mais do que eu mesma. Da impertinência que foi começar tudo como uma brincadeira que tinha data e hora para acabar, mas não acabou. Não era brincadeira de criança, afinal. Um dia, eu acordei...e tudo que eu conseguia pensar era nele. Em todas as horas do dia, em todos os acontecimentos rotineiros. Tudo que eu queria era ouvir a voz, ainda que no telefone. E quando eu percebi que ele era a primeira coisa que eu via de manhã e a última na qual eu pensava ao ir dormir, percebi que não era brincadeira mesmo. Era sério. E, pra mim, bastava.
Era pra sempre.
Saudades de sentir isso tudo, também.

Saudades, ainda, de não ter vivido um monte de coisas boas, de tão rápido que foi. Outro clichê diz que “tudo que é bom passa rápido, mas demora o tempo suficiente para ser inesquecível.”. Concordo com esse, também. Saudade de não ter tido tempo de dançar juntinho aquela que seria, depois, considerada a nossa música. Não ter engatado naquela conversa que invade horas do dia. Não tê-lo levado pra conhecer meus lugares preferidos, para provar o sorvete que eu mais gosto, para ver o pôr-do-sol naquele lugar que só eu conheço. Não ter dito tudo que queria dizer quando ele estava ali, olhando nos meus olhos... nos lugares mais inadequados, pouco propícios ao romantismo, mas ainda assim, ali. E não ter dito não por medo ou receio, mas por não saber absolutamente o que dizer. Em parte porque olhar nos olhos dele é muito melhor e mais bonito do que qualquer poesia, e em parte porque o turbilhão de sensações que entupia minha cabeça e atravessava como flecha a minha pele era tão grande que eu mal conseguia organizar as idéias em minha cabeça.

A saudade, enfim, me faz acreditar em clichês. E citá-los. Porque ela mesma é um clichê ridículo, mal resolvido e estúpido. É um bloqueio, uma interrupção do que quer que seja, tendo interrompido algo ou não. É sentir falta do ponto alto da festa, do mais doce da vida, do sabor mais idílico que se pode experimentar. É a incapacidade de concluir o que se pretende dizer.

Por isso, paro por aqui. Não faço falsas demagogias.
Minha saudade é grande demais, e tem discernimento de menos, para que eu possa concluir qualquer idéia.
Uma crônica, menos ainda.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Eternamente uma tarde de sábado.

Todos os sábados as quatro sabia-se ali. Tempo e compromissos eram meras palavras sem significado relevante. Clima tampouco. Quase devotamente, nos fins de tarde de todos os finais da semana Luiza sentava-se em um banco na praia e olhava. Olhava o mar? Olhava o céu? Olhava a gente que deixava vagarosamente a areia? Podia ser. Sem critérios, Luiza olhava tudo. Não possuía preferências não por falta de propósito, mas por considerar tudo igualmente importante. Ou desimportante, dependia do estado de espírito. Assim ela prestava igual atenção no movimento ao mesmo tempo contínuo e mutante das ondas do mar; no barulho que elas faziam, que parecia continuar em seus ouvidos durante o resto do dia, acompanhando-a por qualquer canto. Atentava aos ambulantes que vendiam de tudo, de biscoito a óleos bronzeadores, de limonada a caipirinha, e também pipas, e óculos escuros, e cordões, e brinquedos. Luiza não refletia sobre a vida deles e nem dos aleatórios que iam à praia sozinhos, em pares românticos, em grupos de amigos, em família...estava somente interessada em olhar o momento presente das vidas de cada um deles. Tinha um quê culpado do deleite dos voyers. Talvez mais do que tudo, Luiza gostava era de olhar o breve, fugaz e estonteante momento em que o sol, ao se pôr, toca a tênue linha do horizonte que o mar se divide do céu, e o fim de tarde que até então tinha muitas cores dizia adeus ao carnaval do dia para se dedicar ao azul marinho que avisa que a noite chega, para em pouco tempo ceder lugar ao império do infinito negro. Cores. “Que belo pintor deve ser Deus”, ela pensava, todas as vezes que os rosas e amarelos e laranjas invadiam os vários tons de azul que se apresentam nos dias (de sorte) em que o céu está limpo de nuvens. Não que Luiza não gostasse do céu da noite quando, também em dias de sorte, ficava salpicado de pequeníssimos pontos prateados que eram, para ela, mais do que somente estrelas. Eram memórias, também. Seu avó, quando vivo, costumava niná-la a noite dizendo que, quando as pessoas morriam, viravam estrelas e iam brilhar pra sempre lá no céu, olhando para e pelos mortais aqui debaixo. Mas havia algo no céu do final da tarde que a encantava inexplicavelmente. Talvez fosse a sensação do término de mais um dia, a analogia deveras natural com a finitude da vida. Talvez, mas não certamente. Luiza se permitia deixar levar pela paixão das tardes de sábado, sem se questionar. Olhar, só.

Sim, tinha um quê culpado do deleite dos voyers, aquela Luiza. Aos dezoito, alimentava-se desse prazer desde os quatorze, quando ganhou sua primeira máquina fotográfica só dela. Não mais tinha que pedir emprestada a da mãe. Agora tinha autonomia do uso, tinha posse. Aos quatorze, era importante para a filha de pais separados, que cresceu assistindo a preferência de ambos pelo irmão, ter essa posse besta. E foi no primeiro da série de sábados sentada naquele banco que ela clicou pela primeira vez a tarde. Ainda que não estivesse registrado em imagem, ela lembraria da cena: era a foto de um vendedor de milho cozido que arrastava o seu carrinho, com o sol se pondo em segundo plano. O sol tocava, provocando cores igualmente belas, a pele do homem, a areia e o mar. Quase com a obrigação de um trabalho, mais de cento e oitenta sábados fotografados depois, continuava ela. Obviamente, despertou a curiosidade - da mãe, do irmão e do padrasto, que reparavam as constantes saídas com as quais não podiam argumentar, dos amigos, que só podiam marcar os programas para depois do pôr do sol, e dos vendedores cativos dos comércios na orla, que reparavam na menina-da-maquina que não largava dali. Quando questionada o motivo daquilo, Luiza somente dizia “- É pra evitar as saudades.”. Saudades de que? “Ué, saudades de tudo. Desse tudo que consigo captar e guardar pra sempre no espaço de um clique.”. Mas não eram somente pessoas desimportantes, indignas de seu conhecimento mais profundo? Não eram tardes e mais tardes que se repetiam? “Cada tarde é diferente. Num sábado tem sol e céu limpo, já n’outro algumas nuvens aparecem e são perfuradas pelo sol, que é mais forte, deixando escapar alguns poucos raios. Em alguns, não se vê nada do sol, e o branco nublado se impõe, pesado, soberano. Mas gosto também quando o céu está cinza e chove, e a impressão que dá é que aqueles milhões de pingos de chuva sobre o mar é que estão enchendo ele.”. Tinha lá suas teorias, a Luiza. Não fazia questão que ninguém entendesse. Eram dela, só pra ela foram criadas. Para Luíza, uma vez que estamos fadados a ver o tempo passar sem termos nenhum poder efetivo sobre ele, aceitando a condição de que os momentos passam e jamais voltam, nos são descarada e irremediavelmente furtados, estamos fadados, por conseqüência, a sentir saudade. E sentir sem ter motivo especial, sem carecer de datas importantes ou ocasiões memoráveis. Cada tarde de sábado que passa é uma tarde da vida que foi, e a saudade que a garota sentia era justamente dessa vida. Do que fez, do que poderia ter feito. Saudade do que iria fazer também, pois viveria uma vez só, do jeito que era. Talvez Luiza criasse explicações sem sentido para cessar com as perguntas. Não se discute a saudade alheia, afinal.

Naquele segundo sábado de setembro, porém, sentiria, talvez, a culpa do quê culpado do deleite dos voyers. Tinha acabado de clicar uma cena de um bebê com não mais de dois anos, dentro de uma piscininha de plástico com desenhos de peixinhos – “Original”, ela ironizou para si – que gargalhava a gargalhada gostosa dos nenéns ao espirrar a água da piscininha para todos os lados, num movimento repetido de levantar e se jogar de volta, sob o olhar orgulhoso da mãe, que como toda mãe, sorri cheia de si com qualquer bobagem da cria. Luiza colocou a tampinha na lente e guardou a maquina na bolsa. Levantou-se do banco e encaminhou-se para o sinal de trânsito, para atravessá-lo e pegar o ônibus de volta para casa na outra pista. Absorta em pensamentos egoístas, Luiza olhou rapidamente e julgou que não vinha nenhum carro. Mas aquela tarde estava fadada a não ser mais uma para a coleção. Luiza via tudo, só não viu aquela moto. Tampouco ouviu a buzina. Depois dali, Luiza não ouviu mais nada. Colada em suas pálpebras, ainda estava o sorriso do neném, e provavelmente foi essa imagem que ela quis guardar quando, sem se enganar, sabia que fechava os olhos pela ultima vez. Luiza, que via tudo, já não podia mais ver nada. Não pôde ver a multidão de transeuntes curiosos que por ali se aglomeravam, nem o motoqueiro que tentava desesperadamente explicar para os bombeiros que a menina tinha atravessado o sinal aberto, nem seus pais, depois de tantos anos lado a lado, chegando na trágica cena. Talvez, se viva, Luiza quisesse fotografar aquela cena. Mas a cota de cliques tinha cessado para ela.

Coladas nas paredes do seu quarto, as dezenas e mais dezenas de comprovações do delicioso deleite, não mais culpado, não mais nada, da voyer. Naquelas fotos, porém, não se viam mais praianos, comerciantes, mar, sol, céu. Naquelas fotos, via-se Luiza, e a saudade que ela sentiu, e deixou. Seu olhar estava em cada registro, em cada segundo que ficou. Como são tolos os que acham que podem prender um momento sem que haja conseqüências! Nesse caso, a conseqüência foi a saudade. E a causa também. Saudade era o que havia para ser captado, e foi o que ficou para ser sentido.


E como eram belas as cores da saudade.