quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Saga Continua. Infelizmente.



É fácil entender por que a saga Crepúsculo virou uma febre mundial. Uma combinação muito precisa de fatores garantiu o sucesso: o desconhecido - um mundo onde criaturas fantásticas vivem clandestinamente, ao lado de seres humanos - o amor proibido, irresistível, arrebatador. De um lado, o lindo vampiro Edward, todo bom moço, nem sangue de gente ele bebe. É inteligente, educado, absurdamente bonito. E apaixonado. Do outro lado, Jacob, o lobisomem camarada. Ele é quente - muito quente - carinhoso, fiel, protetor, melhor amigo. E apaixonado. E no meio de tudo isso está o objeto de desejo de ambos: Bella. E Bella não é exatamente um poço de beleza, virtudes e qualidades inenarráveis, que faria com que seres quase humanos tão incríveis fossem capazes de renegarem e lutarem contra suas próprias existências por ela. Bella é the girl next door, aquela menina comum, que passaria despercebida em qualquer ambiente. E este é o grande atrativo: uma menina comum, uma menina qualquer, consegue fazer vampiros, lobisomens e homens cairem aos seus pés (ah sim, porque o coleguinha da escola também é super na dela.). Todas as leitoras se enxergam na pele de Bella. Vivem com ela esse amor arrebatador e errado com Edward. Se dividem entre amizade e paixão com Jacob. Jovens ou mais velhas, todas queremos ser Bella.

Os filmes da saga também são incrivelmente bem sucedidos por motivos muito específicos. Como resistir a uma alcatéia de belos corpos sarados e parcialmente despidos, exalando calor e conforto? Ou ainda, como não se sentir atraído por uma bela família de atores cuidadosamente maquiados para que sua brancura vampiresca seja encantadora, e não repulsiva? São belos rostos, belas lentes castanho-claras, bem vestidos e simpáticos. Você quase esquece que eles são mortos-vivos que podem, a qualquer momento, esquecer o "vegetarianismo" e atacar seu pescoço. Você quer quase socializar com eles. Frequentar a casa deles. Mergulhar e acreditar naquela história. Junte a isso efeitos especiais de primeira categoria, que proporcionam cenas de lutas de tirar o fôlego e lobos tão bem feitos que parecem saltar da tela pro seu colo na poltrona, além, é claro, da publicidade sufocante que só Hollywood sabe fazer, e pronto: você tem mais um grande sucesso de bilheteria, garantido por fãs que contam minutos, riscam os dias no calendário e esperam, ansiosas, aos berros e choros, pela materialização na tela grande dos ídolos que encontraram nos livros.

E eis o grande problema. Um erro fácil de se cair em adaptações literárias para o cinema, especialmente de incontestáveis best-sellers mundiais. Uma fórmula tão simples, que pega até os mais experientes produtores americanos: filme é filme, livro é livro. Um filme não pode ser feito somente para leitores ávidos e fãs neuróticos. Eles se bastam nos livros. O filme é uma extensão, um apêndice, um algo mais. E está nas salas de cinema para que qualquer espectador o assista, não só os fãs. Para isso, é preciso muito mais do que os atores bonitinhos, efeitos especiais bem executados e falas diretamente tiradas das páginas de papel: é preciso que prenda o espectador sendo um bom filme. Bom, cinematograficamente. E isso "Eclipse" não é.

"Eclipse" (The Twilight Saga: Eclipse, de David Slade, EUA 2010) é baseado no terceiro livro da saga de Stephanie Meyer que conquistou o mundo. Traz os mesmos atores e a mesma fórmula dos dois antecedentes, embora com uma nova direção. Dessa vez, o maestro é o britânico David Slade, que não conseguiu uma magia parecida com a de Chris Weitz, o diretor de New Moon, o segundo filme, e muito menos de Catherine Hardwick, que estabeleceu o tom em Twilight, e nos fez querer mais. David Slade nos fez querer que parasse por aí. O roteiro de Melissa Rosenberg é fraco e arrastado, salvo por uma ou duas falas mais engraçadinhas. Ela também assina os dois primeiros roteiros, mas em Eclipse, perdeu o ponto. Ele não consegue captar a atenção do espectador alheio à saga. Pula de uma situação para outra sem que se saiba exatamente o motivo, esquecendo completamente a coesão necessária para que uma narrativa seja levada adiante, com entendimento daquele que a assiste. O filme conta, sim, com bons atores, que alcançam consistentes interpretações, apesar da superficialidade do roteiro: Billy Burke, Ashley Greene, Peter Facinelli, Elizabeth Reaser, além das sempre ótimas Dakota Fanning e Anna Kendrick. Bryce Dallas-Howard é uma Victoria, a sanguinária vampira que quer se vingar de Edward, melhor do que Rachelle Lefevre jamais foi. Por último, os protagonistas: Taylor Lautner está melhor do que nos dois primeiros filmes da saga. Parece que conseguiu construir um Jacob com mais conteúdo, relevância, que faz com que o espectador entenda o conflito da protagonista. Ele é interessante, muito além do tanquinho definido. Robert Pattinson é um grande ator que o mundo ainda vai descobrir. Para isso, precisa deixar Edward para trás, o que só acontecerá depois de Breaking Dawn, o quarto e último livro/filme. Robert não é somente dono de uma beleza exótica, diferente das demais belezas masculinas que vemos no cinema. Ele é um ator profundo, versátil, que comunica com um simples olhar, e consistente em relação a Edward.

David Slade optou por usar muitos planos fechados em Eclipse. Aprende-se em qualquer cursinho de cinema que close-ups aumentam a dramaticidade, e aqui são amplamente utilizados, o que é perfeitamente compreensível quando se trata de Robert, Taylor, Bryce, Dakota. Eles dão sentido ao close-up. Mas não funciona com Kristen Stewart. Kristen continua fraca e sem carisma. Se não contasse com o sucesso prévio da personagem dos livros, jamais encantaria como Bella Swan. Há momentos em que Kristen parece pensar em decolar, mas é engolida por presenças muito mais marcantes e talentosas que dividem a cena. Sua interpretação é presa, dura, sem vida. Assim como Robert, talvez Stewart se descubra uma grande atriz ao final da saga. Mas não será, como o colega, por talento nato. Ela precisará de muita técnica e muito estudo para permanecer na A-List de atores americanos quando Twilight não mais existir em sua vida.

Eclipse será um grande sucesso de bilheteria. Os ávidos fãs dos livros irão amar. Os simples leitores ficarão parcialmente entediados. E aqueles que nunca nem mesmo folhearam os livros sentirão vontade de ir embora. É quando a narrativa se perde, o fio condutor da história - e a razão de ser da mesma - deixa de existir, e o espectador passa a se prender a outras coisas na tela, desviando sua atenção para os já mencionados artifícios fílmicos hollywoodianos para grandes sucessos. Com isso, Eclipse pode até ser uma representação eficaz para os fãs do livro, mas jamais será um grande filme.