domingo, 4 de julho de 2010

O bom filho à casa torna.



Woody Allen é daqueles cineastas que foram picados pelo bichinho que, pessoalmente, gosto de chamar de "stick to it". No caso de Allen, o bichinho é a cidade de Nova York. Desde o início de sua carreira, ambientou seus dilemas, conflitos sociais, surtos hipocondríacos e descrenças na cidade que nunca dorme, camuflados em personagens que não são muito mais do que o próprio cineasta, e a vida que ele gostaria de ter. Não que Nova York não seja suficientemente inspiradora. Aliás, é um dos poucos cenários no mundo que não cansam. Entretanto, o mais do mesmo cansa. Ainda que esse "mesmo" seja genial.

Decidido a tirar férias da sua América, Woody Allen foi pra Europa e revitalizou sua carreira. Fez dois filmes excelentes, dos melhores de sua vasta carreira. Match Point, em Londres, e Vicky Cristina Barcelona, na cidade-título, este último absolutamente fantástico, impecável, e que rendeu o Oscar à estupenda Penelope Cruz. Mas Allen sentiu saudades de casa, da selva de concreto onde os sonhos são feitos, e com "Tudo Pode Dar Certo" (Whatever Works, de Woody Allen, EUA 2009), voltou às suas origens.

O forte dos filmes de Woody sempre foram os diálogos, e neste caso não é diferente. Ele continua cáustico, hipocondríaco, sarcástico, pouco gentil, descrente, despretencioso e metido a inteligente, sendo que desta vez teve a relevante sacada de não se colocar como personagem principal. É bastante óbvio que o protagonista, Boris, é a personificação do cineasta na tela, mas ao que tudo indica, ele percebeu que não é um bom ator muito além dele mesmo, e escalou o célebre Larry David para viver o Woody da vez. Como sua direção continua não sendo das mais criativas, ele compensa no trato com os atores, que novamente parecem naturais e deliciosamente problemáticos, com uma boa performance especialmente de Evan Rachel Wood. Ela mesma, a menininha de "Aos Treze".

Se a direção de atores e os inteligentes e ágeis diálogos já são marcas registradas de Woody Allen, em Whatever Works ele resolveu inovar em sua própria estética e usar o recurso da "quebra da quarta parede", no jargão audiovisual, quando o ator fala com a câmera. Larry David "dialoga" com os espectadores, até mesmo quando os amigos fictícios estranham. "Com quem você está falando, Boris?", eles perguntam. "Com eles, esse monte de gente que está nos assistindo.". "Não tem ninguem nos assistindo!". Então, Larry vira, mais uma vez, para a câmera e estabelece uma compreensão com aquele cara lá da última fileira que se perpetua por todo o filme. Só ele, personagem fílmico, entende que há uma platéia ali, disposta a ouvir uma estória. É um segredo nosso, do público com Boris. Tido como "gênio" no filme, assim ele se estabelece ao demonstrar que entende mais da vida do que os demais personagens, inclusive enxergando o fato de que há espectadores logo ali. É a metonímia do próprio cineasta que, embora constantemente perspicaz, sempre acredita ter um entendimento cinematográfico muito maior do que as meras cabecinhas artísticas da culturalmente vazia América do Norte.


(Tudo Pode Dar Certo está nos cinemas no Rio de Janeiro)