quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sobre certezas.

Aqui em casa rola uma espécie de clube do livro. Meu pai e eu temos uma mini-biblioteca em um cômodo acoplado à cozinha que, teoricamente, serviria como quartinho de empregada. Lá, guardamos como tesouros grandes livros, clássicos ou não, mas alguns meus, alguns dele – talvez esteja aí uma das origens de minha nerdice aguda. Além disso, meu pai costuma trocar de livros com amigos, numa espécie de escambo intelectual temporário, no qual o livro volta para seu dono original. E não importa exatamente o gênero ou o gosto. Simplesmente eles separam livros que gostaram e emprestam uns para os outros. Funciona, pois assim não se precisa comprar todos os livros que se quer ler (sim, eu sei que isso é um sacrilégio vindo de uma escritora).

Dessa vez, na última rodada de empréstimos, chegou aqui em casa um livro do Jabor. E como eu sou mais rápida no gatilho, já o separei para ler antes que meu pai o pegasse. E tenho devorado as crônicas de “Porno Política – paixões e taras na vida brasileira”, assim como eu devoro todo e qualquer texto ou filme que venha de Jabor. Uma delas, porém, me chamou a atenção de forma especial. E, surpreendentemente, dessa vez não pelo conteúdo. Jabor falava sobre uma de suas paixões e mulheres – ele teve muitas – e discorrendo sobre as entrelinhas e meandros do amor, ele soltou uma definição que me deixou encucada. Ele falou sobre "certezas imediatas".

Fiquei pensando no que seriam essas tais certezas imediatas, quando se trata de amor. E concluí que, na verdade, elas não existem no amor, e sim na paixão. E, pensando comigo mesma, concluí que são aquelas confianças inabaláveis que nos arrematam em toda e qualquer paixão.

Apaixonados, temos a mais absoluta certeza de que aquela não é somente mais uma pessoa, mas "a" pessoa. E que ninguém nos questione sobre isso, pois simplesmente não conseguimos compreender como os outros não conseguem enxergar o que é tão claro para nós. Ficamos absolutamente certos de que aquele beijo é o melhor beijo, aquele abraço é o melhor abraço, que em uma população de 6 bilhões de pessoas no mundo não há ninguém igual aquela pessoa. E que você vai ficar a vida inteira com ela, claro que vai. Simplesmente porque vai, porque é assim que tem que ser, você tem certeza disso. E elas todas, as certezas, vêm com uma rapidez impressionante. São imediatas, afinal. Batemos o olho e sabemos, nada mais é preciso.
Até aí, pode-se dizer que essas sensações são gostosas, e de certa forma até saudáveis. É uma delícia se apaixonar assim, e fazer planos e mais planos. As tais certezas imediatas, entretanto, passam a ser perigosas quando elas começam, pouco a pouco, a nos cegar. Ficamos tão inquestionavelmente certos de que aquilo que sentimos é a verdade absoluta, quase dogmática, que não enxergamos as pequenas e dolorosas falhas nesses posicionamentos tão absolutos. Quando o fogo baixa é quando começamos a perceber que essas certezas não são baseadas em argumentos concretos ou em fatos consumados, mas pura e simplesmente no que sentimos. E como muitas vezes, como já disse o poeta, "as idéias não correspondem aos fatos", passamos a nos perguntar se ainda temos tanta certeza mesmo daquilo tudo. Aos poucos, aquela pessoa tão absurdamente especial, tão incrivelmente feita sobre medida pra você, talvez – talvez mesmo – não seja enfim aquela com quem você vai envelhecer ao lado. E isso porque finalmente assimilamos que, infelizmente, não basta só um lado da história ser tão certo assim quanto a isso. Experimentamos outros beijos e vemos que, ainda que aquele tenha sido delicioso, há outros muito bons também. E, então, quando a paixão esfria, as certezas se esvaem. O que fica, muitas vezes, é uma mágoa que só passa com o tempo, mas acaba passando, eventualmente. As vezes ficam também fotos cortadas, cartas que nunca foram enviadas, e umas tatuagens com o nome dele ou dela em partes sugestivas do corpo, mas nada que umas sessões a laser não curem.

A grande questão é quando a paixão abaixa e as certezas ficam. E, então, elas se modificam um pouco. Elas não são mais tão imediatas, e passam a ser acompanhadas de leves dúvidas. Saudáveis, todavia. Mas ainda assim, permanecem certezas. Ainda sabemos – simplesmente sabemos – que aquela pessoa é especial demais, que ela mexeu conosco de forma única e nova. De que aquele beijo é, sim, talvez não melhor, mas muito mais deliciosamente particular do que todos os outros, até os que ainda não experimentamos. E que, mesmo que talvez, por ironia ou implicância da vida, não casemos com aquela pessoa para sermos felizes para sempre em uma linda casa com filhos e cachorros, isso realmente só aconteceria se desse tudo errado. Preferimos, porém, acreditar que tudo vai dar certo.

O que mudou, então?
O sentimento mudou. A paixão se transformou em algo muito maior, e ainda mais angustiante. Ela se transformou em amor. E no amor, não temos tantas certezas assim. Na verdade, temos muito mais dúvidas, em uma desproporção enorme em relação às certezas dogmáticas. Ainda assim, se somos tão certos quanto a algo que não é racionalmente explicado ou comprovado, mas pautado somente no que sentimos dentro de nós, é porque alguma coisa ali faz sentido. Não se sabe tanto, não se sente tanto, se for a toa.

O tempo – melhor remédio e psicólogo que se pode ter – vai poder dizer se nossas certezas eram coerentes, ou se foram por água abaixo. Enquanto isso, não vejo absolutamente nenhum mal em sentir isso, contanto que não te faça mal. Porque isso é amor, e ao contrário de certas teorias e visões que correm por aí, o amor não foi feito para te fazer mal.

Ter certeza não é um crime. E amar, acredite, não dói.